Meu diário de bordo

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Sem limites

 O infinito abre os braços e me chama

Para o abraço da liberdade.

Ou seria o abraço da eternidade?

Lambo o chão que se gasta sob meus pés

Com os olhos injetados de alegria

Eis o sem fim aos meus pés!

 

Não deixo saudades à mostra.

Não freio os instintos,

Deixo que escorreguem rumo ao nada.

Abraço a imensidão solta do mundo

Nesse pedaço de chão.

 

Beijo o asfalto quente,

Sinto o gosto doce da solidão

No frio aceno do vento.

Nada me falta e

Nada me resta,

Só o infinito é o limite da liberdade!

 


Açucarada

 De amor quero cochichar no seu ouvido,

Fazer cócegas na sua imaginação,

De A a Z uma centena de palavras que faz sentido

Com cada uma delas fazer uma confissão.


Chegue perto, feche os olhos e ouça

O meu gemido de satisfação;

Pari poesias plenas de gozos inteiros

Só para cochichar em segredo

Meu amor desatinado por você.


Vamos, estenda as mãos e receba

As poesias que derramo sem pudor,

Açucaradas de paixão adolescente,

De quem anda pela vida, bêbada

Dessa coisa doce que é o amor.


Deboche

 Haste rígida

Língua bífida

Vida insípida

 

Sem ternura

Sem candura

Habilidade madura

 

Semeou confusão

Mentiu com tesão

Serviu  o pão

Que o diabo

Amassou com o rabo

 

As palavras com fogo cerziu

Bordadas com atentos pecados

Tanto viveu quanto fingiu

 

Repousa pálida e solitária

Uma já sem vida e ordinária

Viúva de beijo debochado

 

Sem saudades ou recado

Apaga sua existência terrena

Com um sorriso vil, na face serena


Fácil sorriso ferido

 O seu sorriso manso construía certezas,

Embalava esperanças doces;

Porque atrás daquele jeito sincero de ser

Havia um mundo de sonhos prontos

Para povoar uma vida inteira e simples.

 

O tempo não passaria sem lhe pedir permissão,

Nada e ninguém ousaria ferir sua paz,

Os dentes alvos e perfilados simetricamente

Combinando com o olhar distante em algum ponto

Espreitavam cada palavra estrategicamente pensada.

 

Nem o medo, nem toda a angústia do mundo

Esvaziava seu abraço sempre forte e sincero;

Tudo ficava menor diante do seu sentir

Que dava colorido especial a cada sensação.

Emoção era sua essência vital, a despeito 

De qualquer detalhe experimentado por quem fosse.

 

Estava expressa na sua presença a amizade,

O amor em todas as suas nuances 

Sem máscaras; puro como só o amor pode ser.

Entretanto, todo frescor daquele sorriso,

A vontade inabalável de viver e

Unicamente se doar sem restrições

Podia morrer e morreu num sopro gelado.

 

Golpe baixo que nunca mais poria de pé

A estrutura frágil daquele cristal 

Que refletido conduziria meus derradeiros passos.

Amarelando inerte em algum retrato 

Ficou sua melhor lembrança, única talvez,

Nada poderia ser mais franco que seu sorriso fácil.


mosaicos poéticos

 enluvei as mãos 

para acariciar as palavras

que soluçavam 

sobre o alvo papel

 

na brancura fria

da mesa de mármore

jaziam esquecidas

palavras solitárias

escorridas de alguma saudade

 

recolhi com úmido cuidado

formei desenhos poéticos

e na fornalha do meu coração

moldei poemas mosaicos.


Hebreu II

 Tu, oh filho de David, que és fonte

De águas vivas, videira de doce néctar,

Sopro de vida nos jardins e no monte,

Arrebatastes meu coração de âmbar.

 

Tu, que és do Líbano cedro altivo,

Alvo como as colunas de puro marfim,

Amo e senhor que te quero cativo,

Não desvias teus olhares de mim,

 

Da tua língua destilas puro mel,

E dos teus lábios de romã partida,

Ampara e edifica meu broquel.

Oh! venturoso hebreu, me convida.

 

Já despi a túnica me banhei em leite,

Nos teus olhares, sou pérola de colar.

Oh !hebreu se apresse e me aceite,

De corolas abertas sou um nenúfar.

 

Amado meu, que pastoreias entre os lírios,

Segue a liteira noturna, rompe as portas de Sião,

Apascenta minh´alma que de delírios,

Anda vagando na imensidão.

 

Te busquei, amado da minha alma,

Rodeando cidades, ruas e praças.

Na recâmara que me  concebeu sem calma,

Entalhei de pedrarias as minhas taças,

 

T´espero amado, com os cabelos orvalhados,

Ondeantes como de Gileade o rebanho,

Nos meus seios que te tenho preparados

Gotejando aromáticas flores do banho

Hebreu


No leito do Jordão não estás,

No pomo do meu corpo ansioso,

Também, oh, hebreu, tu não jaz!

Me abraça o oriente furioso.

 

Nas fráguas dos dias, as lutas,

As conquistas, te afastam do meu leito,

Amado filho de Israel sei, escutas,

O pranto que goteja do meu peito.

 

Banha-te nos sóis e neles te batiza,

De deserto; pois longa é a jornada,

De Horebe a Jerusalém onde divisa,

Com o anjo, a  minha chegada...

 

Oh amado hebreu que t´espero,

Além dos vales e das profecias,

Sob as torres do marfim, me esmero

Banhando-me em leite e especiarias!...

 

Pende ante a lótus que repousa quieta,

Teu olhar viajor, rei da terra prometida,

Vem pois! e a contempla tão seleta

Tua flor babilônica, serenamente adormecida....

 

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Sem sons


Acordei sem versos, sem sinfonia de sons
só alguns estilhaços do meu pós -mortem
bailando na lágrima dos meus olhos parados.
Me peguei dedilhando rígidas consontes sonsas,
intercaladas de vogais átonas e sem certezas.
Tudo que eu queria era um grito interminável,
estridente carregado de cores e significados;
mas senti os punhos pesados, as pupilas cansadas.
Me deixei abater pelo cinza carregado
que esfumaçou  minha única vidraça.
Aqueci os dedos na chama oscilante que me alumia
para secar o frio das juntas enregeladas;
Tamborilei com esforço palavras amorfas
mas tudo que consegui foram sons abafados
falanges trincadas ecoando no silêncio de mim.

Covardia


Vestiria de sol minhas luas
e ninguém me saberia noite.
Aos meus passos badalados, 
como o carrilhão da sala, 
acrescentava notas de um cello.
Quem não me abriria cortinas
para desfilar a majestade?

Salpicaria o chão à volta
de particulares estrelas miúdas. 
Abandonaria os olhos na envergadura
das asas de um condor.
À rouquidão dos versos inacabados
Pontuaria com silêncios intermináveis.
Quem não me brindaria a ausência?

Eu, chama fugaz, 
minuto pausado,
inteira volta do ponteiro
noite adormecida.
Eu, utopia destra da covardia,
acendo a escuridão 
para morar na solidão.

Medo antigo

Quero ficar nas estranhas
No aconchego do balanço lento
Enquanto caem as folhas lá fora
Só preciso ouvir o sibilar do vento
Que embala meu medo antigo

Acocorada no silêncio das horas
Sonho mundos que não verei
Enterro esperanças envelhecidas
Quero fugir da estrada sem retas
Odeio esse  volante ardente 
Que me devora kilometros de vida
Que me obriga simular sorrisos
Ao rastejar  sobre cascalhos agudos

Quero adormecer lentamente
Como o sol que se enfia no horizonte
Sem acordar a noite 
Que quero continue negramente pacienciosa
Catando contas do meu rosário
Quero anoitecer de olhos semi-cerrados
Até me perder no infinito de mim

Trilogia


Três cartas em branco.
Três sorrisos francos.
Incógnitas oferendas;
De partos as prendas.

Três recados distintos.
Três taças de absinto.
Serenatas na chuva,
Vinhos de especial uva.

Três selos marcados.
Três beijos separados.
Três idiomas estranhos,
Três caminhos risonhos.

Uma homilia e três missas.
Três nós, uma madeira maciça.
Uma anunciação, três vidas.
Três bênçãos e três feridas.

Três rios exuberantes,
Agonias lancinantes.
Três certezas consentidas,
Três belezas embrutecidas.

Essências etílicas brutais,
Vertigens tão desiguais,
Humores de frio metal,
Afiadas lâminas do mal.

Três velas içadas no mar;
Navegadores a vagar
Engolindo atônitos vendavais,
Cuspindo terríveis temporais.

Três amores e três dores,
Meus anseios e temores;
Três poemas prediletos,
Três martírios secretos.

Três caprichos da natureza,
Uma inalienável certeza;
Três vidas tivesse, três vidas daria
À cada um dessas poesias.

Agostos

Não mais um riso farto;
Abraço leve e beijo sintético
Pró-forma,  projeto bélico.
Acorda Alice, game is over!
O sonho está beira do enfarto;
Não suportou o tédio.

Que morra sem lenha o diálogo,
Sem forma a sombra pálida
Entre redemoinhos calados.
Acorda Alice, o chão te escapa,
Não há para onde mais correr
A insondável velhice te visita.

Teus olhos perdidos na escuridão,
Os braços frouxos se projetam ao chão
Arrasta teu tempo sem direção.
Acorda Alice, as marcas no teu rosto
Confirmam teus inúmeros agostos,
Não abandones teu único posto.

Imanente

mutilado ecoa o tempo
balançando entre um e outro ponteiro
equilibra-se na risca de giz
do terno bem cortado
agoniza frágil
o tempo ágil
entre um beijo e uma confissão

morre cá dentro de embolia
a esperança bem guardada
largos passos costurados
descrevem o chão da agonia
não há portas ou janelas 
capazes de frearem o tempo
e não há outro senhor da razão

Pra nunca mais chorar

Dorme amarrotada no peito 
Uma esperança frágil
Do amanhã sereno
Da febre dos dias azuis 
Me levanto da cadeira mais cansada
Fecho muitas  portas pesadas
Caminho sob um sol inclemente
Desnorteada, ridiculamente trôpega

Que ali adiante eu amarre meus ais
Reserve leitos macios para ossos aparentes
Sem cortinas revirando brisas
E sem jutas aparadoras de olhares fúteis
Para que eu volte no mesmo vagão que vim
Embrulhada em sonhos praguejados

Comunhão infiel

Correm lentos seus dedos
Pelas matas dos meus cabelos,
Donde o perfume de capim cheiroso
Em arrepios sopram segredos.

Passeiam nus, seus olhos belos
Pelo meu ventre perigoso
Acordando meu sono manso.
Meu regato embriagado
Sustenta  sonho e fantasias,
Na porção menina que não alcanço.

A tez inquieta desperta
Desejos na penugem serena
Em hora incerta;
Veneno na doçura da açucena.

O dorso descoberto anuncia o cio,
Que afogado se entrega
Aos sabores densos
Da bebida cruel;
Que na carne nunca é amena,
Na alma acalenta o frio,
Mata a sede dos sentidos.
Ah!  Doce comunhão infiel.

Beijos no concreto

Um grito silencioso me fez calar;
como um sopro que vindo de dentro
lambeu a nudez da minha pele fina.
Arrepiou a beleza rudimentar
da fantasia vestida de concreto.
Pairou no ar a emoção menina
que bebia em grandes goles molhados
meu espanto deliciosamente provado.
Golfadas de lágrimas tontas felizes
acenderam desejos atrapalhados.
Veria enfim o telúrico espalhado
numa chuva nova de belos matizes.
O  livro da razão finalmente rasgado,
e a poesia viva destrancada da mente
beijando a terra inteira, solenemente.

Livre poetar

Todo poeta tem candura 
Tem falta de compostura
Todo poeta é muito atrevido
Fala da vida sem ter vivido

Todo não poeta é chato
Põe defeito, dá ultimato
Morre de ciúme do poeta
Pois é quadrada sua meta

O poeta é único em sabedoria
Rima com estrelas com a vida
Até na tristeza, ele vê poesia

Brinca de cores, pobre eremita
Que se prende em vãs teorias
Morre sem viver o troglodita


Por que?


Será o tempo, pelo caos assassinado,
Mudou nosso entendimento?
O que era amor, hoje é momento,
 Vive pelos cantos pálido e calado.

Por que recolhemos os carinhos?
Para mofar nas gavetas da alma?
Ah! Em que dia nasceu o trauma
Que nos relegou aos descaminhos?

Desaprendemos as delícias da paixão,
Ou nos apressamos em morrer?
Sei que engolimos sonhos na ilusão
De um dia distante, merecer.

Nos despedimos de nós, a cada dia;
Morrendo lentamente nessa agonia.

Amo-te

Amo-te incondicional e loucamente.
Amo-te muito mais do que a razão
Me permitiria. Amo-te simplesmente
Mais do que pode meu coração.

Amo-te sem siso, em devaneio;
Tanto, tanto mais que alma suportaria.
Nesse amar crescente palpita o seio
Queima a carne na noite vazia.

Se soubesses das minhas preces
Abriria os braços e me aceitarias;
Porque amo-te mais que mereces
E muito além do que entenderias.

Amo-te para toda a minha eternidade;
Com total exclusividade.



Veto

À volta dessa mesa muito penso,
Engulo palavras e gesticulo a esmo.
Meu tempo rasgou-se de tão tenso;
Continuo igual, mas ele não é o mesmo.

Minha voz entalada reflete minha aflição
Cronometrada; não aprendi atar os ponteiros,
Já não sei onde anda o meu coração
Nem meus esboços poéticos rotineiros.

Sentada olhando para o nada ou quase,
Sinto o peso da razão ou da falta de emoção;
Como se a vida por si só me bastasse
Mesmo que povoada de muita solidão.

Tanto plantado e um deserto me consome,
Não sobrou das chamas nem o meneio
De uma paixão. O vago de algum codinome
Com saudade, talvez saboreie sem receio.

Os dedos tamborilam cansados, distantes
Enquanto os pensamentos caducam.
Já não me acho mais como antes
As palavras desorganizadas se calam.

Perdi da história algum trecho secreto;
Que explica onde minhas palavras veto.

Abstinência

Sem poesia o verbo doce, agoniza
Secam as palavras no nó da garganta.
Nem com amor, a paixão se materializa;
Palavra sem poesia, de nada adianta.

Palavras sem poesia; é abstinência.
Prazer assim declamado é puro desejo,
Nem há lágrima que salve a aparência
Mesmo que a declaração morra num beijo.

Empobrecem as almas e os diálogos
A cada palavra fria pronunciada.
O que cantam à lua os namorados,
Se sem poesia for a língua sacrificada?

Quero abraço, correio elegante de bilhetes
Para avivar o romantismo esquecido,
Outra vez  flerte, flores em ramalhetes,
Sonhar com o esperado beijo escondido.

Sem poesias não se suspira de saudade.
Sem poesias não se sonha acordado;
Fica tudo com o mesmo sabor de futilidade,
E não há mais amor a ser conquistado.


Não te amo mais, e agora?

Agora que não te amo mais
Ando descalça e sem juízo,
Acho que tive mais que preciso.
Já não penso agradar demais.

Agora que não me desespero
Por te amar com loucura,
Estou livre da auto censura;
Faço o que gosto, quando quero.

Solta no mundo respiro novidades,
Venci alguns dos meus medos,
Até tolero teus modos azedos.
Embora não te ame, tenho saudades.

Agora que não te amo mais,
Perdi a minha referência
Sinto uma ponta de carência;
Mesmo assim não te quero mais!

Agora que já não te amo como outrora,
Esqueça que me conhece, por favor;
A minha vida segue a todo vapor,
Pois a menina agora é uma senhora.

Agora que não te quero, acredite;
Da vida tenho muito mais apetite!


Fragilidade

Descansa a língua sem papas.
Descansam os pés sem passos.
A vida segue sem pular etapas,
Sem se lamentar pelos fracassos.

Como não sentir pela fresta tanto frio,
Se o vento sibila rangendo as brancas portas ?
Um oceano de vozes percorre num arrepio
O sono silencioso das paredes já mortas.

Vigia o desconforto um feixe frágil de vida,
Na imensidão escorrida no cinza do dia.
Morreram os sorrisos n'alguma tela esquecida.

As mãos enterradas na face arranhada,
Contam o tempo de uma espera sem fim;
Do jogo, sobrou só o tabuleiro...mais nada.

Descontentamento

Cansei das esteiras sonolentas
Onde só o acaso se move;
Fico longe da guerra das palavras
Assentada sobre uma pose inabalável.

Quero o ar entrando pelas narinas,
O mar revolto me engolindo.
Cansei dessa doce criatura
Que beija com cuidado a pintura,
Aceita o lugar vago cheia de mesuras.

Desce-me pelas pernas o descontentamento,
O medo de envelhecer patética,
Eu era cult antes do rótulo
Mas agora quem haverá de convidar
Uma remanescente original, 
Do metal polido,
Da fala pausada, domesticada?

Cansei dos alvos lúdicos,
Não recorto mais  recados
Colei na porta um silêncio fiel
Só aceito beijos públicos,
Desejos de papel passado
Minha companhia ficou cruel.


segunda-feira, 29 de junho de 2020

Pesa viver?

O que pesa são as tolices,
Os desejos não realizados,
Os dias de cara amarrada,
Os pequenos momentos
Não degustados com gosto;
E não a idade acrescida a cada ano.

O que pesa é a saudade,
A tristeza amontoada,
As palavras engolidas,
Os olhares frios;
Nunca a idade aumentada.

Pesam sim as mãos vazias,
O coração ateu,
A alma aflita,
Os braços sem abraços,
O beijo na boca esquecido;
Não a idade que se soma.

O que pesa é a pressa,
É o não ouvir o outro,
É o não sentir o outro,
E não se saber por inteiro.

Os dias vividos um a um,
Saboreados apesar das dores,
Tem um paladar especial;
Cada marca, cada ruga
Lembra um dia especial
Uma pessoa, uma experiência.
Não pesa o tempo de vida;
Pesa o não viver para amar
Todo o tempo que se conseguir.
Pesa não se apaixonar perdidamente
Todos os dias pelo presente de viver.

O sal das doces águas

Águas dançam sob meus pés,
Rolam pela minha face.
Águas deságuam ansiosas
Sobre uma estação febril;
Que aflita se enfia sem ecos
Em intermináveis gozos.
Bailo na volúpia das cores
Entre anjos destronados,
Livre dos beijos marcados;
Presa unicamente à sentença
Da rebeldia dos seres e o vadiar
Da pompa em rituais ritmados.

O gosto de sal na língua,
No visgo do corpo suado.
Arrepio de paixão, luxúria e tesão.
Folia sem trava, fúria de liberdade;
Preparada e curtida em trezentos e sessenta dias
De sobriedade e  anonimato.
Descansa no véu da tolerância
A explosão de ousadia encoberta,
A negociação com a angústia;
Que no final das contas
Mistura-se à multidão dos ébrios.

Águas que banham os desejos,
Lavam a alma sem pejo,
Ganham o mundo deslizando;
Aquietem meu coração encharcado
De dores e temores cercado.
Águas salgadas insanas
Permitam que  doces águas
Cubram e batizem com a paz
As minhas mazelas humanas.

Areia nos olhos

É dia nos meus olhos 
E a noite insone dos seus olhos insiste
Em jogar sonhos mal dormidos no meu colo.

Não lamento o amor mal amado
Não mais quero  o amor desalmado
É menos que eu mereço e o que mais já tive.

Já empacotei os afetos
Encaixotei amores mal vividos
A vida passeia nos meus olhos sem pressa.

num piscar de olhos

o encanto me permite esse momento
entre você, eu e o talvez
e assim perpetuar a magia
de nunca ter ponteiros
só a luz diáfana de olhares
e a eternidade das mudas palavras.

Mosaicos poéticos

enluvei as mãos 
para acariciar as palavras
que soluçavam 
sobre o alvo papel

na brancura fria
da mesa de mármore
jaziam esquecidas
palavras solitárias
escorridas de alguma saudade

recolhi com úmido cuidado
formei desenhos poéticos
e na fornalha do meu coração
moldei poemas mosaicos.

Página Virada

 A mesa tem dois lugares
cada taça tem seu prazer
não há brinde nem porre
um soluço gelado pelo vinho
entala numa lágrima quente

chove estrelas na janela

Dois silêncios se confundem
entre sorrisos desconsertantes
olhares docemente tristes
nas mãos confusas se buscam

chove olhares estrelados

A noite fecha-se em copas
não há espaço para palavras
a dança dos gestos tem pressa
de fazer sua própria história

chove estrelas nos olhos

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Ventre



Meus maiores amores estão distantes
E meu coração todavia desesperado
Não cabem no meu abraço como antes
Agora só me resta um enorme desalinho
De manter horas e dias contados

Jaz seco meu ventre materno
Pois já não aquecem mais o ninho
Gritos, abraços e o calor das palavras
É o preço a pagar pelo mundo moderno

Não inventaram tecnologias de abraço
a distância, nem beijo por correspondência
Mas desfazer pouco a pouco o laço
E o amor, razão da sobrevivência

Conta as horas nos ponteiros da eternidade
Porque sei que lá toda saudade é passageira
Pois coexiste com uma só realidade

O amor que semeei floriu para o mundo
É ele a minha verdade inteira
Páginas escritas do meu eu mais profundo




Semeadura



Os lábios prenhes gemem canções silenciosas
que pedem genuflexão e pranto sentido.
São essas as orações lastimosas
o ardente desejo do renovo da vida.
A terra murmura sons que só os poetas ouvem,
Chora sua alegria pelos campos e cidades;
fazendo brotar vida verde diariamente.

É dos calos das mãos generosas,
O carinho sincero de quem semeia.
Nos dedos sinceros a prece;
que norteia o sentido de cada frase.
Um acaricia aquela que o alimenta,
Outro bebe das letras que saciam a sede.

O mundo carece de amor ardente,
Que junto a ação correspondente;
Promove a vida em todo seu esplendor.
A violência mata a terra fértil,
A palavra insana promove a violência
No terreno humano visceral
E na terra que deixa de produzir.




quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Mil vezes em mim


As vezes eu quero ficar, as vezes eu quero sumir, tem dias que estou com vontade de rir e outros de morrer.
Quase sempre que quero ficar só e trancada no meu silêncio, mil coisas solicitam a minha atenção, e quando estou me sentindo absolutamente só e querendo alguém pra conversar, as pessoas estão todas ocupadas com as suas próprias dores, tarefas e até com a sua própria solidão.
Ando em volta de mim mesma sentindo calor e frio, irritada com os barulhos, buzinas e com as pessoas que agridem meus silêncios ou interrompem meus pensamentos. Parece  que tenho agulhas nos olhos, facas na garganta, sensações de dor e uma saudade de nem sei o quê.
Olho para o céu e quero subir, me acho um bicho castrado sem as asas, olho pra rua e quero ir em frente sem vontade de olhar pra trás, mas sinto os pés agarrados ao chão como se estivesse presa por raízes profundas. Algumas vezes sou um anjo, outras sou rainha no meu bordéu, diaba do inferno que arde dentro de mim.
Eu rio, rio um riso bobo, rio de mim e pra mim, esperando com esse riso mentir pra quem eu não sei, que a vida corre nos trilhos e que basta passar a mão num violão que a noite se cobre com um manto de estrelas. Eu rio e choro de mim e pra mim sempre que me olho e não me acho, pois nunca sei quem sou ou onde deveria estar se nesse chão que se racha sob meus pés continuo entalada qual hera mal plantada, secando sem encontrar muros para fugir.
Há dias que quero morrer e no seguinte renascer como fenix de cara nova, e há dias que simplesmente não queria ver nascer para não saber se quero viver ou simplesmente nele me perder entre as horas sem ter compromissos de ser.
Que desatino viver sem ter certeza se quem olho no espelho sou eu, que indelicadeza não ter nos olhos, na pele e na mãos a alma que volita acima dessa roupagem densa que morre um pouquinho a cada dia. 
Ah como me quero imortal, hoje, agora, navegando nesse mar de ilusões e sentimentos, sem porto para atracar, sem praias a me esperar, como me quero eterna nos meus olhos que se enchem de pérolas brilhantes, rolando...como me quero dona dos mistérios que hei de herdar para transformar o que for da minha vontade quando um dia tocar.
Não desejo a eternidade no viver, porque hoje eu só quero morrer, mas almejo renascer de mim todos os dias enquanto puder viver para me experimentar indefinidamente...


Varal de sorrisos


Há muito deixei sorrisos secando nas janelas por onde passei, nem sei ao certo se de volta recebi algum aceno ou se em alguma curva deixei de ouvir versos adocicados ou discursos desaforados.
Não sei se ensaiei os gestos nos esquadros das palavras não me lembro mais dos improvisos que amontoei sem cuidado.
Tudo que sei é que ando na mesma trilha de sempre, a mochila é a mesma e os farrapos que me cobrem ainda tem um resto de perfume.
Já percorri vales e agremiações da mesma forma que falei nos púlpitos e porões,  e sou a mesma caricatura que sempre fui para mostrar o riso frouxo que mora no meu espírito eternamente criança. Se engana quem pensa que hei de envelhecer, jamais!  Rasgo calendários e mesmo me assumindo encarquilhada defronte a qualquer espelho deixo escapar o aroma suave das manhãs de preguiça que se contrastam em mim, com a assinatura firme de segunda a segunda.
Alguém um dia recolheu na varanda do tempo, meus dentes ainda alvos cheirando a dentifrício de menta e se encantou com o oval do meu sorriso descompromissado; seria essa a minha grande marca se não expusesse meu olhos amendoados no olho mágico de onde tudo se pode ver. Mas quem sabe se a mesma íris que reteve a gargalhada entre lágrimas conhece-se de frente?
Parece lúdico passear por entre as horas todo o  tempo fazendo caretas, mas é insano amarrar os lábios orvalhados, nublar os olhos brilhantes para levar nas costas embrulhados até que sobrem espaços suficientemente lúcidos para reconhecê-los.
Assim se voltar as páginas e tiver que repaginar alguma coisa, certamente não serão os sorrisos, talvez sejam esses os únicos e verdadeiros afetos que deixei.

Solidão a dois; de dia sinto frio, de noite penso em suicídio.

A poeira no entalhe dos móveis fazia ranger de solidão as portas da alma, nela perdiam-se  horas inteiras de silêncio. Doía sentir sua acomodação, seu desenho intacto resguardado numa espera sem fim.
Nem o tique-taque contínuo do carrilhão da sala balançava a esperança antiga e adormecida, tudo jazia sem vida naquele dia que nunca terminou.
Olhei ao redor e nada se movia, olhei para dentro de mim e um reboliço de desejos não se calava. Ao sabor dos meus cadenciados passos bebi a solidão que se derramava em mim; foram anos de brindes sinceros de mim para comigo, foram dias e mais dias de porre ...
Ali estava eu olhando para as marcas que se perpetravam no ambiente, sem entender como foram se acomodando silentes, mesmo quando a vida pululava nas horas.
Fui a minha mais fiel companhia nos últimos anos; sorri e gargalhei para o meu reflexo, chorei muitas vezes no meu ombro afagada pelas minhas mãos, xinguei e briguei pela minha teimosia,  fiquei de mal comigo inúmeras vezes e por dias sem fim nem me olhei de tanta mágoa, e agora nem um murmúrio sequer denotava minha presença.
Parada diante da eternidade olho e não me encontro, talvez minha voz tenha se calado no eco sem resposta ou meu eu assumido meu alter ego para se mudar além de mim, somente assim a vida pode se manter jorrando nas minhas veias.
É hora de fechar algumas portas para não ouvir rangidos e abrir todas as janelas que apontam para o infinito, a vida continua lá em algum lugar.

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Serenata em versos




Que eu sinta na pele cada melodia,
Vinda da flauta doce do seu desejo.
Que não morra nos poros o ensejo
De fazer-lhe versos vestidos de poesia.

Sonetos decassilábicos, tântricos
Que nasçam de palavras sonoras,
Como nos sonhos das nossas auroras;
Poemas para poetas e românticos.

Poemas sussurrados como carícias,
Paixão explodindo em doces afetos,
Cantarolado em múltiplos dialetos.

Que meus poemas sejam declarações;
Encharcados como eu de emoções,
Para cada estrela solitária na terra.

domingo, 1 de setembro de 2019

Um réquiem para o silêncio


       A multidão de palavras ansiosas e barulhentas que me seguiam cegamente, sem mais nem menos calaram-se, ficaram apáticas...
      Eu as vejo, eu as sinto, mas elas emudeceram inexoravelmente; perderam o vigor, o brilho; parecem flores murchas num vaso sem graça.
     Arrasto por onde ando um silencioso cortejo de verbetes apagados, como se lhes tivessem roubado a alma. Sombras patéticas hoje...as mesmas que percorriam minhas veias, faziam meu coração saltitar quase boca afora.
     Acordo e me deito sentindo um vazio dentro do peito. Tenho a garganta entalada de silêncios. 
     Sou qual um grande quebra-cabeças revirado, faltando pedaços vitais.
     Nem céu, nem mar, nem anjos ou gentes conseguem tirar as minhas palavras dessa patética agonia em que permanecem, irritantemente.
     Não há calor suficientemente capaz de aquecer minhas poucas emoções e não há sentimentos que potencializem as emoções das minhas rotas palavras a fim de tirá-las dessa caprichosa de mudez. 
    Não há risos que sacudam o mofo dessa estagnação contínua. 
    Não, não há estusiasmo que desperte a fúria dos meus dedos em martelar de novo essas tristes palavras, que insistem em definhar num canto qualquer de mim.
     Lá no fundo da minh'alma permanece um frio tumular ameaçando ruir sentimentos pela rigidez advinda das palavras engessadas, tristes e amofinadas.
    Caminho a passos lentos, coração gelado, arrastando essa pequena multidão de palavras mortas, como se sina fosse carregar palavras fantasmas que não falam mais, mas não se desgarram da minhas entranhas...


O céu da eternidade

          Persigo o céu das palavras, onde não há limites para fantasia e o sonho nunca finde.
          Onde será o sétimo céu dos sentidos, onde jamais a noite se faz densa, e os dias são simplesmente azuis.
         Quero me perder onde o dia começa, banhando-me no doce das palavras que brotam das cachoeiras, nas curvas dos rios sem fim. Lá onde a vida é uma eterna magia terei jardins suspensos e flocos de algodão para recostar.
        Busco a eternidade das palavras num mundo em que não habito, nos céus de outra era, onde até o efêmero se perpetue pela beleza, como um relâmpago estampado em aquarelas brilhantes.
        Adormeço na esperança de encontrar um mundo feito céus estrelados, sol e lua caprichosamente pintados, onde a vida nunca envelhece.
        Onde encontrar o céu das tantas palavras que me fogem dos dedos? Onde encontrar a poção mágica das palavras pela bebê-las e brindar com poesias e prosas tantos sentimentos?
        Acalento no peito o desejo do "eterno enquanto dure" nem que seja por uma noite e nada mais...