Meu diário de bordo

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Turbilhão



Foto Jussara Almstadter
 
Sem direção e nenhum freio
eles entram e saem
silenciosos algumas vezes
ou rasgando emoções
arrebentando as comportas
que me banham soluçantes
 

Liberam alegrias
lembranças doces ou doídas
estimulando
inspirando
deprimindo
 

Vorazes como a fome
devoram as palavras
que regurgitam
incessantemente
... sobre o alvo papel
vai se livrando delas
uma a uma num ritual
emocionalmente caótico

domingo, 5 de dezembro de 2010

Nódoa


Angélica T. Almstadter
 

Cuspi a alma em fagulhas,
Sobre a toalha impecavelmente branca.
Com alma sangrei vinho do brinde.
Ficou incrustado no linho mesa,
Sob seu olhar atônito, a marca exata
Da minha mais nobre emoção.
Sei que acalentará com cuidado
Até juntar todos os cacos,
Do meu amor derramado.
 

Uma taça de esperança tinta,
Para bombear meu coração apagado.
Um silêncio precioso para recompor
O espelho da minh'alma estilhaçada.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Não desejo ser compreendida



Angélica T. Almstadter

Sou o sonho solitário que rompe os muros dessa prisão...
Sou o vento libertário que invade os ares em busca de comunhão...
Sou a branca nuvem desse teu céu em harmonia...
Sou a paz na tua melodia...
Sou o rio que  explode no leito inexplorado...
Sou o veio rasga a terra com sede de viver...
Sou a sede da natureza...
Sou a voz embrutecida...
O sal da terra
A voz que grita se agita, se contorce...
Sou o brado em meio ao deserto, a tempestade que sufoca, o banquete dos faraós; não sou pó, nem oásis nesse mar de sol abrasador.
Sou a linfa que circula nas entranhas da areia...
Sou espuma ruidosa que se desmancha na areia escaldada, sou minguante na maré das luas adolescentes, sou veleiro perdido na tirania das marolas...
Não sou a paz das espadas desembainhadas sou guerreira errante nessa  ampulheta de bandeiras hasteadas...
Não me pertenço, não sou rumo nessa esfera em que bailo...
Não sou brilho nessa nesga de luz que atravesso, sou a parte amputada da história que conta suas glórias, atravesso o buraco negro em vôos rasantes, me mantenho atemporal, sazonal a medida que me guardo no olho do furacão como chispa incandescente,
fagulha acesa que carece de lenha para arder...
Não desejo ser compreendida, borbulho pela borda da vida e como bebida preferida, me aceito e me derramo,
só quero ser sentida...

terça-feira, 23 de novembro de 2010

olhos de ressaca

mataram meu humor
na curva de uma palavra
o riso ficou pendurado
num canto sem graça da boca

 
minha voz foi encoberta
pelo som dos silêncios
entreolhados cúmplices

 
meus olhos pensos
soluçaram de dor
e não mais sairam
do porta-retratos da sala

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Iluminura

Encastelada em sonhos difusos,
cercada de silêncios e rumores,
mora a inqueitante solidão.
Tece os dias em pequenos fusos,
bordando horas inteiras de favores;
com fios de meadas tênues
intercalando sua doce ilusão
aos traços firmes da obsequiosa razão.
 

Lá onde o encanto não morre;
refaz as aflições com igual agonia,
bebe verbos e palavras ausentes.
Para si mimoseia com ternura
a boca escancarada do escárnio.
Moraria dentro de uma epifania
não fosse a realidade uma ruptura.
Mas é noite de passar os dentes
Fechar a cortina mudar o cenário.

sábado, 13 de novembro de 2010

Out


Chic é ousar ser
é não negar o tesão,
muitos nãos
elevam a auto estima.
 
Estar on as vezes
é muito vazio;
Estar out
é uma sacada
pra grandes vôos.
 
A solidão é off
a alegria está out;
um clic e se acende.
 
Mas chic mesmo
é saber ser out
curtir a solidão
gostar muito de ser
beber o vazio
e voar com alegria.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

os mil tons e sons da solidão

acenando ao vento se afasta,
já fora do alcance dos sons,
sua obtusa lembrança gasta
na trilha matizes em mil tons


a rede rompeu laços tantos
é hora de navegar a solidão
espraiar em outros recantos,
com fúria, sua autêntica ilusão


sem traves, obstáculos ou afins
sobre os próprios passos
poder calçar solfejos de serafins


um brinde borbulha na taça
a palavra se sujeita a míngua
de qualquer língua em ameaça

terça-feira, 9 de novembro de 2010

O vôo da palavra


Não há vôos ensaiados
As asas conduzem ao desconhecido
Como se vez primeira fossem
Todos os rasantes

Não há falas ensaiadas, só
Pensadas e repensadas
Elas se espalham renitentes
As mais impensadas
Florescem sem preconceito
Até que cheirem mal

Entre um vôo e uma fala
Fico com a palavra
Descrita em muitas nuances
Porque dentro dela o vôo
Sempre recomeça a cada leitura.

sábado, 6 de novembro de 2010

Insight de Lucidez



O que importa se a porta se abriu?
Que diferença pode fazer eu andar alguns metros, ou alguns centímetros,
se cá dentro desse espaço os olhos estão cravados em mim?
Não por eu ser assunto importante, não,
mas os olhares me fitam perscrutantes de quem estuda,
controla...de quem mede cada passo e teme cada palavra.
Pois que se feche essa porta, e que o holofote não fique focado sobre mim,
penso que longe da alça de mira d'algum olhar malicioso,
o tempo há de ser mais senhor da razão, exatamente como nesse chavão.
Não vou perder o tempo com mesuras ou rotas desculpas,
tenho estrelas nos olhos, com pontas a me espetarem a íris impaciente,
tenho ombros largos o suficiente para aceitar tanto a mochila mal feita
quanto o braço pousado sem pressa, sem perguntas...
Não me assusta mais olhar e ver o que em outro tempo me apavoraria;
me incomoda não prever as palavras que soam como eco de peitos vazios
e barrigas cheias de reizinhos mal coroados.
Prefiro portas fechadas atrás de mim; é na curva do horizonte
no silêncio que sopra a excelência da natureza viva que eu encontro o abraço mais
apertado, a definição mais perfeita do amor.
É no aberto onde sem traições e sem traidores que a vida se torna real em toda sua magnitude.
Eu não espero que tantas pessoas compreendam a minha peculiaridade de viver a verdade inteira só por lealdade ao meu próprio espírito.
Minha alma, a parte carnal do meu espírito tem a sabedoria de entender e fazer ponte entre meus múltiplos corpos; o restante, já nem tem muita importância.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Adeus

Tão pouco de mim nessas cinco letras
Que fogem apressadas pela boca;
Molhados, engasgadas quase bêbadas,
De você uma quase renúncia louca.



Um adeus pacíficamente concreto
Palavras mudas, olhares discretos.
Certezas desenham um único gesto
Fica saudade de momentos secretos.



Cinco letras amargas, asfixiantes
Viram uma página risonha
Cravam desejos tão mais distantes.



Encerra numa melodia tristonha
A elegância de garbosos amantes
Numa fantasia que não mais sonha.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

sua excelência: o eleitor


angélica t. almstadter
01/11/2010

sorriso franco, esperança na mão
subiu e desceu ruas
adentrou avenida assoviando


anônimo importante
só um número ou uma digital
e o sorriso ainda franco


clicou, pegou o bilhete e saiu
rumo a favela, ao gueto
não respondeu a provocação


na noite de sua alegria
o sorriso virou gargalhada
guardou a arma para outra ocasião

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O que nós queremos!

O que esperamos nós brasileiros quando estamos diante da campanha para presidência do Brasil?
Esperamos ver os candidatos e pessoas próximas empenhadas em mostrar suas propostas para um Brasil cada vez melhor para todos os brasileiros, não só promessas; reais possibilidades de que possam ser passadas para o exercício prático.
Mas será que é isso mesmo que pensam todos?
Parece que esqueceram que os maiores interessados, nós brasileiros; povo, portanto a maioria, não quer saber se fulano é santinho ou se ciclano usa vermelho, verde ou amarelo, nós pensamos como um todo pensa: O Brasil que queremos viver, com escolas, educação, saúde, moradia, democracia e paz!

O palco da política nessa campanha virou tanque da levadeira (que me desculpem as lavadeiras) para lavar todo tipo de roupa suja, inclusive a íntima, em público, enfiando goela abaixo do pobre eleitor falsas promessas, mentiras, boatos maldosos e muita fofoca. Um desrespeito total com quem assiste a esse patético jogo do poder.
A democracia é um jogo onde todos têm direito a livre expressão, que não quer dizer bagunça, nem que esse direito não deva ser exercido com responsabilidade, muito pelo contrário; quem tem o poder da palavra, o espaço para se manifestar tem que dar o exemplo e para ser respeitado tem que se dar o respeito.

Por mais que contestem vivemos num país livre, democrático e laico que tem mostrado sua cara no mundo. graças ao empenho do governo do Lula, porque se hoje o Brasil é um país soberano e respeitado lá fora, isso não aconteceu por acaso e nem da noite para o dia, mas pelo esforço do nosso presidente em fazer desse país um país melhor, menos desigual, que sabe o que quer e que luta para que o povo brasileiro entre no mundo moderno usando as mesmas mídias que as elites, com os mesmos direitos a educação, emprego, moradia e a participação ativa na sociedade, a mesma que antes era reservada só a escolhidos e bem nascidos.
As eleições presidenciais de 2010 vão entrar para a história, por muitos motivos, entre os quais pela volta do ódio, da busca do retrocesso calcado nas alianças mais espúrias com a extrema direita mais reacionária e retrógada. Uma eleição onde se pretendeu avivar a Inquisição, que foi a face mais vergonhosa da nação cristã. Ainda nessa eleição se pretendeu trazer para o centro das discussões, questões religiosas que não podem e não devem decidir questões eleitorais, destruindo com isso a possibilidade de uma discussão sadia e amplamente divulgada; a do aborto como questão de saúde pública e não do modo aparvalhado e covarde que foi. Um jogo ambicioso onde não se mediu as conseqüências de se atirar no adversário sem observar que na reta estava o próprio pé.
Há que levar em grande conta nessa eleição de 2010 a maciça participação das mídias independentes, a blogosfera e o twiter que contribuiram de maneira extraordinária para o envolvimento do eleitor, formando uma massa crítica que não se intimida. Com esse cenário de crescimento da participação popular na internet, já podemos afirmar com certeza de que estamos caminhando a passos largos para uma consciência política muito maior; não há meio mais democrático do que a mídia eletrônica, apesar da crueldade que também pode ser destilada por essa mesma mídia.

Vivemos num país onde quem detêm o poder da palavra escrita, radiofusão e televisiva são as grandes fortunas, que não estão acostumadas as serem confrontados, mas que nessa eleição, muito mais que em outras, tiveram que conviver com a mídia independente o tempo todo fazendo contraponto, filmando e mostrando a verdade. É preciso dar cada vez mais voz ao povo para que ele se manifeste livremente e também faça parte do processo democrático: "Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido".
Essa pequena burguesia que se mantêm no poder da palavra escrita e falada não gosta de povo que pensa e está tendo que engolir a rebelião pensante levantada pela blogosfera. Já não mais se mostra como o grande poder de "informação" e sim como uma imprensa marrom, golpista que se desnuda a cada dia diante até dos eleitores mais simples.
Só seremos uma verdadeira democracia quando o povo conseguir participar do processo ativamente, consciente da sua participação, lendo e escrevendo ciente da sua responsabilidade e participação inequívoca sem que lhe seja tolhido o direito de livremente se manifestar e enxergar a verdadeira face do poder, formando uma consciência crítica.
Apesar de ser clara a manipulação de uma imprensa facciosa, ainda podemos tirar dessa eleição lições para nunca mais esquecer: Queremos uma país cada vez mais politizado, consciente e não vamos permitir que nos enfiem goela abaixo convicções pré-estabelecidas, mentiras e principalmente exclusão do povo no processo democrático.
Não podemos deixar que nos calem, somos a voz dessa nação e não é meia dúzia de pessoas que vai nos dizer o que fazer, ler ou pensar, muito menos impor os "seus modelos de liderança".
Queremos um pais de iguais direitos e deveres.
Queremos um país soberano e com as riquezas divididas com o povo e não com estrangeiros.
Queremos um BraSil para brasileiros cidadãos e não para aproveitadores de plantão!

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Tenho Medo


Angélica T. Almstadter


Tenho medo de não ter medo,
E avançar o mundo das misérias,
Me perder na fila da fome,
E sem medo de desvendar segredos;
Ser condenada ao degredo,
Exilada na palavra,
Caminhar sobre brasas acesas,
Ser depósito de esperanças cegas;
A nadar de peito aberto, sem nunca espraiar


Tenho medo de ter medo,
E não denunciar a violência que campeia,
Pactuar com a demência que me rodeia,
Ser um verbo mudo;
Um folhetim barato, anônimo,
Sem nome e sem pseudônimo;
Me ver confundida na multidão calada;
Ginuflexa e mãos atadas
Olhando para o nada.

Tenho medo da omissão,
De não ser ponto de referência,
De perder a paciência,
De me ausentar da obrigação;
Fazer pouco caso da minha razão
Me alienar da verdade,
E prostrada na ansiedade
Perder minha identidade

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Antologia 2010













É com orgulho que digo a voces da nossa Antologia 2010,
além da capa que foi concepção minha a partir de uma foto cedida por minha filha: Jussara Almstadter.
ainda há um prefácio delicioso de Uraniano e as poesias de amigos que sabia da qualidade, mas me surpreenderam mais ainda ao ver publicado.
Eu apanhei na mão minha cria, cheirei, acarinhei e me senti orgulhosa de mais uma vez participar de uma Antologia nascida de um grupo virtual, pq eu vi empenho, dedicação, doação, amizade, companheirismo e acima de tudo par-ce-ria!
Obrigada Conceição, Tânia e Clóvis pelo empenho em nos ajudar a realizar esse sonho de dar luz à nossa cria literária.
Sou suspeita pra falar, pq faço parte desse seleto grupo, mas sinto uma ponta de orgulho de estar no meio de gente tão gente!
Obrigada pela amizade, pela companhia e por me incluir nessa jornada.


beijos
Kika

sábado, 2 de outubro de 2010

Ato de fato


Angélica T. Almstadter
Deixo a besta fome se perder no juízo parvo dos passantes, afinal nem ela mesma se sabe atriz principal nessa calçada da fama. Adorno os olhares esgazeados com poesias lúgubres intercaladas de risos frouxos e muitas pérolas ditas sem censura.
Quem há de se perder nessa guerra de retórica famigerada? Um vulgo espírito de face encavada e falsos passos, que permanece hilário para o consumo da inerme massa estupidamente passiva. Mas não é só de horrores que se vive nessa selva de cascalhos bem cuidados há o mel que pinga da boa seiva, rara, mas de fonte certa.
É pouco ou nada seguro nesse feixe de ilusões banais a estranha convivência in natura, é um quase anunciado suicídio público. Na valia dos grandes feitos, da luxúria revelada quase em volúpia ficam vincados no mural da publicidade gratuita a personalidade magnânima da existência humana.
Seixos que somos nessa correnteza inóspita de leito para as gerações vindouras deixamos rastros seguros para quem há de pisar o mesmo chão depois de nós e deixamos comportas abertas para que escorram a vaidade, o orgulho e até as nossas pequenas crueldades. Semeamos nessa passagem quase obscura um canteiro de flores particularmente artificiais que colherão tanto a ralé admirada quanto a prole desencantada.
Que venham então os dias negros sob o estrondo da euforia teatral a musicar a passagem ostensiva da miséria fantasiada de turba elegante para o aplauso disciplinada da seleta frisa que observa sequiosa.
No camarim o debrum da roupa desgastada é cosido com esmero para o próximo ato.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Cânticos

( Inspirado no Cântico dos Cânticos de Salomão:)

Canto Primeiro
Elane Tomich
10 / 06 /2004


Descansaste ao meio dia
em teu suor me banhei
sob vinhas, melodia
serei, depois te amarei.
Quem ama e canta minh'alma
a maldição abençoa
e planta em meu corpo a calma,
ao meu Rei minha prece ecoa
Em meus sonhares estreitos,
em mim, germinas trigais,
guardo vinho no meus peitos,
trigueira, camuflo ais.
Não me chames pela cor
do deserto em que te estiras
mudou -me a pele, o amor,
dá-me o nome de morena.
Meu rastro é o que retiras
do retiro dos teus pés,
em esculturas na areia.
Sou teu pouso, sou serena
ou, cobra que serpenteia
no bote que reativa
a luta do amor de arena.
Saio em seguimento
das pisadas dos rebanhos.
Ressuscito em pensamento
onde em me querer, repeles.
Sangras por todos os lanhos
de paixão, da minha pele.
Nossos tetos são ciprestes
onde, o pão, amasso e sovo
magia ao meu toque prestes,
presteza, que em ti revolvo.
Suga-me dos peitos, vinho,
teu bálsamo, em ti, eu sorvo
entre lãs de ovelha e sedas
um ninho, a mim, concedas.
No amor me desconcertas
no teu poder de envoltório.
sibila a canção, serpente
do meu desejo desertas.
Solta ao vento, num repente
em sopro persecutório,
meu sonho de proteção,
lá fora a areia escolta,
moreno amor, devoção.
Meus quadris, têm própria vida,
em dança moura, cigana.
Na barriga preenchida,
da submissão que emana,
pra sempre serei coroada
como aquela que deu frutos.
Sou quem comanda , vencida.
Chama-me a mim, tua amada,
fêmea, teu falso atributo!
Deliras orgias de outeiros
quando em vinho te afundas.
Não vejo teus companheiros
quando hiberna em ciúmes.
Não me chames de amiga,
não é o que o homem quer.
Deliras ó Rei, ao cume
tuas ordens, de me siga
faz-me sentir vagabunda,
chama-me tua mulher.
*****

Canto Segundo
Angélica T. Almstadter
10-06-04


Na florada dos trigais
Vejo tua cabeleira alourada
Dançando ao vento
Espargindo o nardo
Liberto das tuas ânsias
Qual gazela encantada galopas
Pelos campos de minh´alma silente
Tu cantiga que me encanta,
Louvor que me conquista
Flor de raro perfume,
Tu, a sela de alabastro,
Que me acolhe e liberta
Pelas torres de teu alvo marfim
Tu que passeias em mim
Vem e faz morada
Nos beirais do meu avarandado
Por ti me banho nos cântaros
Dourados, nas salinas frias
Por ti me ungo ao por do sol
E me entrego sem pudores
Aos lanhos prateados
Das muitas luas solitárias
Por ti, senhor dos meus cantares
Tanjo a lira que te toca quando sibila
Cânticos entoados em dissonantes acordes
Por ti, senhor nos meus altares
De amor vivificado,
Ergo minha taça transbordante
das vinhas nobres,
Diante de tua homilia me calo,
Para me embriagar da tua
Fala maestra.
A ti, senhor dos meus sonhos
Elevados em andores do madeiro puro
Soergo minha voz esmaecida
Só tu te achas assentado
No meu trono
Só tu serás, meu rei coroado
*******


Canto Terceiro
Angélica T. Almstadter
11-06-04


Salmodiei em teu louvor senhor
dos meus cânticos...
Em tua honra ergui ao céus
taças do néctar amoroso.
Ó amado que passeias com
os pés nús pelas terras úmidas dos vinhedos;
ouço teus passos afinados como
o som suave das harpas;
cervo dos passos musicados.
Na tarde que meu corpo gotejou
mirra para perfumar teus jardins
me fiz tua eterna amada...
e tu acolhido entre minhas taças
túrgidas adormeceu mansamente;
embriagado pelos jorro de mel
derramado das minhas entranhas...
Por ti amado meu, hei de adornar
de flores meu leito...hei de
banhar-me de leite e bálsamos aromáticos,
de enfeites de prata ornar meu pescoço e ricas pulseiras pelos braços...
Por ti amado meu, hei de
transbordar os cântaros com água
de laranjeiras, fazer colunas
de incenso as pés da nossa alcova,
e de lírios mais alvos que a neve,
engalanar nosso aposento.
A ti amado meu que tem fio de
ouro nos cabelos, o mar no olhar,
vento soprado nas falas misteriosas...
deito sândalos na poesia que deposito
aos teus pés...oração do meu amor...
Flui das tuas torres de marfim
aroma dos alecrins do campo...
dos teus mármores encrustrados
de fina pedraria acendem labaredas...
És em mim fonte de inspiração...
manancial de amor vivo.
**********


Canto Quarto
Elane Tomich.
12/06/2004


Canto a ti,
pastor dos meus sonhos
enfeitarei nossa tenda ,
com o perfume de mirra .
e me acharás entre tantas
teus olhos em negara venda.
Procuro-te , não estás aqui:
andarei pelas medinas
o meu sorriso tristonho,
sem ti,
tem jeito de inocente
sou quase inócua menina
magra, na carne que esmirra.
Do perigo dos olhares
com véus coloridos, me amparas
dos homens tal qual das feras
eu, tua pomba que arrulha
ferida por tua flecha
tombada aos teus cuidados,
A alma em que enleias, cura
sou o corpo desta mulher,
tua serva que procura
teu amor , de ervas ,banhado.
Depois , na hora da ceia,
no tapete, à lua cheia
a ti farei o profano
ofertório, quase insano
do supremo sacrifício.
Imolarei tua ovelha dileta
sem lágrimas no sacrifício.
Desta morte, saio viva
Que seja a carne seleta,
banhada a vinho e oliva.
Melhor que o aroma de início,
minha carne rubra e viva
ao teu sabor, mais propícia
Entrego-me sem pudores
Rei, senhor dos meus amores.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Gestação


Ando gestando poesias,
Me despindo de palavras,
Coisas miúdas que já não me cabem,
Certezas que me sabem.
Estou parindo versos e prosas,
Regados com minhas primícias;
Quero cultivar jardins de lavras,
Gerados no ventre das minhas carícias.


Estou prenhe de amor,
Não para parir pessoas,
Nem fetos, objetos ou afetos;
Estou em estado de graça,
Acariciando a alma em flor,
Mimando-me com cânticos e loas,
Enfeitando meus pés e meu trajetos.


Estou grávida de um vulcão,
Desde a última chuva, da última lua.
Em berço alvo e discreto,
Vai nascer um furacão secreto,
Pra romper a cara no dia,
Varrer do meu corpo a agonia,
Pacificar minha fisionomia.
Estou gerando o meu mundo,
Nas fissuras do meu peito.


Vou parir sem dor,
Num rasgo lento e profundo,
O cataclisma mais que perfeito,
O abstrato fruto de silêncios,
De aromas; o meu amor,
Atravessado por milênios

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Desilusão

Adormeci na soleira do dia
Pensamentos amassados
Alma gelada e vadia
Como meus trapos esfarrapados
Quando me deitei sozinha
Na franja que escora minha agonia
Esqueci que o tinha
Perdido em algum canto e morria
Varri o sol do meu rosto
E enquanto me embriagava
Com a lembrança do desgosto
Meu coração arfava
Senti o corpo entorpecido
A boca balbuciante
O tempo ficando esquecido
E a dor lancinante

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

esfriando...

borrei a pintura enquanto esperava
na bandeja meus olhos claros
se escondiam da luz teimosa
uma lágrima suave bailava
e eu tecia esses alinhavos


a conversa se espalhava cheirosa
dentro das xícaras fumegantes
entra e sai de passos leves
sorriam em abraços aconchegantes
pela maquiagem escorrida
não era adeus, apenas acenos breves


entre uma e outra fala aborrecida
altas doses de adoçante
e o que era vaga costumeira
foi ficando distante
derramou-se todo a calda
no confuso tabuleiro
nunca mais voltou a calma
aos meus verdes timoneiros...

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Trilhas

Atrás da retina; lembranças.
Nos lábios o gosto úmido do beijo,
Ilusão desvanecida
Bem guardada.

Preciosa jóia brilha
Só para meus olhos
Sem ontem,
Tão pouco amanhã.

Os passos vão lépidos
E a estrada encurtando;
Na mochila da memória
Cochilam sonhos
Tão meus e de mais ninguém.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Finesse


Foi-se o tempo pacato da candura,
a hora do recato e inocente compostura.
Ficou um talho aberto pela castração,
cerzido de retalho, atropelo e frustração.

Salve a meretriz que vai a luta;
essa infeliz que tem fama sem ser puta!
Riam sim dessa fulana, criatura hilária
de quem não se sabe a cama, mas a tem por otária.
Viva a doce prostituta que nesse teatro vil
só conhece a labuta, e o gesto servil.

Espuma na língua infame o fel da acusação,
vociferado desde o prenome, sem consternação.
Bravos! Morre a míngua e não sem suspiros
o sorriso com íngua, que viveu entre vampiros!

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Fogo Fátuo

Pela órbita revirada dos meus olhos,
Um rio de emoções desaguou silêncios
Que caídos formaram lagos tão doces
Quanto o ensaio amoroso que os revirou.
O som das palavras não passou na garganta
Lubrificada pela alegria de as sentir.

Quem se perdeu nas horas?
Fui eu ou foi você?
Quem engoliu a voz junto aos sonhos?
Eu?

Restou um caco colorido de brilho morto,
Piscando obscenamente
Sempre que a saudade bate à porta
Do meu atabalhoado coração.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Infarto


Não invada a minha veia,
Pra cessar essa sangria,
Estou enfartando de palavras,
Com estrangulamento da carótida,
Da forma mais exótica;
Por excesso de poesia!
Sente e devagar, saboreie;
Esse jorro em homilia,
Da minha adoração profética.
Sinta o gozo do conteúdo,
Em silêncio respeitoso,
Da minha forma fálica,
De usar a fonética.
Pra falar um pouco de tudo,
Vou em cortejo amoroso,
Desfiar verbos e versos,
Embolados e travados na goela,
Os meus universos;
Em dimensão paralela.

domingo, 8 de agosto de 2010

perigo

jogo o corpo fútil nas horas tolas,
já não há compromissos;
olhares omissos talvez
e uma pequena platéia cortez.

despejo sorrisos,
saltito nas palavras com a ponta dos pés
não temo mais os absurdos,
nem vigio o peso
tenho desejos precisos
humor variante como as marés,
especialmente para o falsos surdos.

guardo o rosto crivado de ansiedade
vivamente indefeso...

o corpo jaz tombado...
sinais? só dos pecados aparentes.
a pele alva inunda o ar
de almíscar do banho cuidadoso.

estranhamente calados
os olhos parados, adormeceram risonhos,
mais uma página impressa
entre paredes, entre dentes
uma conta deposta no altar;
pudicamente despida
por primícias de promessas.