Meu diário de bordo

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Sem sons


Acordei sem versos, sem sinfonia de sons
só alguns estilhaços do meu pós -mortem
bailando na lágrima dos meus olhos parados.
Me peguei dedilhando rígidas consontes sonsas,
intercaladas de vogais átonas e sem certezas.
Tudo que eu queria era um grito interminável,
estridente carregado de cores e significados;
mas senti os punhos pesados, as pupilas cansadas.
Me deixei abater pelo cinza carregado
que esfumaçou  minha única vidraça.
Aqueci os dedos na chama oscilante que me alumia
para secar o frio das juntas enregeladas;
Tamborilei com esforço palavras amorfas
mas tudo que consegui foram sons abafados
falanges trincadas ecoando no silêncio de mim.

Covardia


Vestiria de sol minhas luas
e ninguém me saberia noite.
Aos meus passos badalados, 
como o carrilhão da sala, 
acrescentava notas de um cello.
Quem não me abriria cortinas
para desfilar a majestade?

Salpicaria o chão à volta
de particulares estrelas miúdas. 
Abandonaria os olhos na envergadura
das asas de um condor.
À rouquidão dos versos inacabados
Pontuaria com silêncios intermináveis.
Quem não me brindaria a ausência?

Eu, chama fugaz, 
minuto pausado,
inteira volta do ponteiro
noite adormecida.
Eu, utopia destra da covardia,
acendo a escuridão 
para morar na solidão.

Medo antigo

Quero ficar nas estranhas
No aconchego do balanço lento
Enquanto caem as folhas lá fora
Só preciso ouvir o sibilar do vento
Que embala meu medo antigo

Acocorada no silêncio das horas
Sonho mundos que não verei
Enterro esperanças envelhecidas
Quero fugir da estrada sem retas
Odeio esse  volante ardente 
Que me devora kilometros de vida
Que me obriga simular sorrisos
Ao rastejar  sobre cascalhos agudos

Quero adormecer lentamente
Como o sol que se enfia no horizonte
Sem acordar a noite 
Que quero continue negramente pacienciosa
Catando contas do meu rosário
Quero anoitecer de olhos semi-cerrados
Até me perder no infinito de mim

Trilogia


Três cartas em branco.
Três sorrisos francos.
Incógnitas oferendas;
De partos as prendas.

Três recados distintos.
Três taças de absinto.
Serenatas na chuva,
Vinhos de especial uva.

Três selos marcados.
Três beijos separados.
Três idiomas estranhos,
Três caminhos risonhos.

Uma homilia e três missas.
Três nós, uma madeira maciça.
Uma anunciação, três vidas.
Três bênçãos e três feridas.

Três rios exuberantes,
Agonias lancinantes.
Três certezas consentidas,
Três belezas embrutecidas.

Essências etílicas brutais,
Vertigens tão desiguais,
Humores de frio metal,
Afiadas lâminas do mal.

Três velas içadas no mar;
Navegadores a vagar
Engolindo atônitos vendavais,
Cuspindo terríveis temporais.

Três amores e três dores,
Meus anseios e temores;
Três poemas prediletos,
Três martírios secretos.

Três caprichos da natureza,
Uma inalienável certeza;
Três vidas tivesse, três vidas daria
À cada um dessas poesias.

Agostos

Não mais um riso farto;
Abraço leve e beijo sintético
Pró-forma,  projeto bélico.
Acorda Alice, game is over!
O sonho está beira do enfarto;
Não suportou o tédio.

Que morra sem lenha o diálogo,
Sem forma a sombra pálida
Entre redemoinhos calados.
Acorda Alice, o chão te escapa,
Não há para onde mais correr
A insondável velhice te visita.

Teus olhos perdidos na escuridão,
Os braços frouxos se projetam ao chão
Arrasta teu tempo sem direção.
Acorda Alice, as marcas no teu rosto
Confirmam teus inúmeros agostos,
Não abandones teu único posto.

Imanente

mutilado ecoa o tempo
balançando entre um e outro ponteiro
equilibra-se na risca de giz
do terno bem cortado
agoniza frágil
o tempo ágil
entre um beijo e uma confissão

morre cá dentro de embolia
a esperança bem guardada
largos passos costurados
descrevem o chão da agonia
não há portas ou janelas 
capazes de frearem o tempo
e não há outro senhor da razão

Pra nunca mais chorar

Dorme amarrotada no peito 
Uma esperança frágil
Do amanhã sereno
Da febre dos dias azuis 
Me levanto da cadeira mais cansada
Fecho muitas  portas pesadas
Caminho sob um sol inclemente
Desnorteada, ridiculamente trôpega

Que ali adiante eu amarre meus ais
Reserve leitos macios para ossos aparentes
Sem cortinas revirando brisas
E sem jutas aparadoras de olhares fúteis
Para que eu volte no mesmo vagão que vim
Embrulhada em sonhos praguejados

Comunhão infiel

Correm lentos seus dedos
Pelas matas dos meus cabelos,
Donde o perfume de capim cheiroso
Em arrepios sopram segredos.

Passeiam nus, seus olhos belos
Pelo meu ventre perigoso
Acordando meu sono manso.
Meu regato embriagado
Sustenta  sonho e fantasias,
Na porção menina que não alcanço.

A tez inquieta desperta
Desejos na penugem serena
Em hora incerta;
Veneno na doçura da açucena.

O dorso descoberto anuncia o cio,
Que afogado se entrega
Aos sabores densos
Da bebida cruel;
Que na carne nunca é amena,
Na alma acalenta o frio,
Mata a sede dos sentidos.
Ah!  Doce comunhão infiel.

Beijos no concreto

Um grito silencioso me fez calar;
como um sopro que vindo de dentro
lambeu a nudez da minha pele fina.
Arrepiou a beleza rudimentar
da fantasia vestida de concreto.
Pairou no ar a emoção menina
que bebia em grandes goles molhados
meu espanto deliciosamente provado.
Golfadas de lágrimas tontas felizes
acenderam desejos atrapalhados.
Veria enfim o telúrico espalhado
numa chuva nova de belos matizes.
O  livro da razão finalmente rasgado,
e a poesia viva destrancada da mente
beijando a terra inteira, solenemente.

Livre poetar

Todo poeta tem candura 
Tem falta de compostura
Todo poeta é muito atrevido
Fala da vida sem ter vivido

Todo não poeta é chato
Põe defeito, dá ultimato
Morre de ciúme do poeta
Pois é quadrada sua meta

O poeta é único em sabedoria
Rima com estrelas com a vida
Até na tristeza, ele vê poesia

Brinca de cores, pobre eremita
Que se prende em vãs teorias
Morre sem viver o troglodita


Por que?


Será o tempo, pelo caos assassinado,
Mudou nosso entendimento?
O que era amor, hoje é momento,
 Vive pelos cantos pálido e calado.

Por que recolhemos os carinhos?
Para mofar nas gavetas da alma?
Ah! Em que dia nasceu o trauma
Que nos relegou aos descaminhos?

Desaprendemos as delícias da paixão,
Ou nos apressamos em morrer?
Sei que engolimos sonhos na ilusão
De um dia distante, merecer.

Nos despedimos de nós, a cada dia;
Morrendo lentamente nessa agonia.

Amo-te

Amo-te incondicional e loucamente.
Amo-te muito mais do que a razão
Me permitiria. Amo-te simplesmente
Mais do que pode meu coração.

Amo-te sem siso, em devaneio;
Tanto, tanto mais que alma suportaria.
Nesse amar crescente palpita o seio
Queima a carne na noite vazia.

Se soubesses das minhas preces
Abriria os braços e me aceitarias;
Porque amo-te mais que mereces
E muito além do que entenderias.

Amo-te para toda a minha eternidade;
Com total exclusividade.



Veto

À volta dessa mesa muito penso,
Engulo palavras e gesticulo a esmo.
Meu tempo rasgou-se de tão tenso;
Continuo igual, mas ele não é o mesmo.

Minha voz entalada reflete minha aflição
Cronometrada; não aprendi atar os ponteiros,
Já não sei onde anda o meu coração
Nem meus esboços poéticos rotineiros.

Sentada olhando para o nada ou quase,
Sinto o peso da razão ou da falta de emoção;
Como se a vida por si só me bastasse
Mesmo que povoada de muita solidão.

Tanto plantado e um deserto me consome,
Não sobrou das chamas nem o meneio
De uma paixão. O vago de algum codinome
Com saudade, talvez saboreie sem receio.

Os dedos tamborilam cansados, distantes
Enquanto os pensamentos caducam.
Já não me acho mais como antes
As palavras desorganizadas se calam.

Perdi da história algum trecho secreto;
Que explica onde minhas palavras veto.

Abstinência

Sem poesia o verbo doce, agoniza
Secam as palavras no nó da garganta.
Nem com amor, a paixão se materializa;
Palavra sem poesia, de nada adianta.

Palavras sem poesia; é abstinência.
Prazer assim declamado é puro desejo,
Nem há lágrima que salve a aparência
Mesmo que a declaração morra num beijo.

Empobrecem as almas e os diálogos
A cada palavra fria pronunciada.
O que cantam à lua os namorados,
Se sem poesia for a língua sacrificada?

Quero abraço, correio elegante de bilhetes
Para avivar o romantismo esquecido,
Outra vez  flerte, flores em ramalhetes,
Sonhar com o esperado beijo escondido.

Sem poesias não se suspira de saudade.
Sem poesias não se sonha acordado;
Fica tudo com o mesmo sabor de futilidade,
E não há mais amor a ser conquistado.


Não te amo mais, e agora?

Agora que não te amo mais
Ando descalça e sem juízo,
Acho que tive mais que preciso.
Já não penso agradar demais.

Agora que não me desespero
Por te amar com loucura,
Estou livre da auto censura;
Faço o que gosto, quando quero.

Solta no mundo respiro novidades,
Venci alguns dos meus medos,
Até tolero teus modos azedos.
Embora não te ame, tenho saudades.

Agora que não te amo mais,
Perdi a minha referência
Sinto uma ponta de carência;
Mesmo assim não te quero mais!

Agora que já não te amo como outrora,
Esqueça que me conhece, por favor;
A minha vida segue a todo vapor,
Pois a menina agora é uma senhora.

Agora que não te quero, acredite;
Da vida tenho muito mais apetite!


Fragilidade

Descansa a língua sem papas.
Descansam os pés sem passos.
A vida segue sem pular etapas,
Sem se lamentar pelos fracassos.

Como não sentir pela fresta tanto frio,
Se o vento sibila rangendo as brancas portas ?
Um oceano de vozes percorre num arrepio
O sono silencioso das paredes já mortas.

Vigia o desconforto um feixe frágil de vida,
Na imensidão escorrida no cinza do dia.
Morreram os sorrisos n'alguma tela esquecida.

As mãos enterradas na face arranhada,
Contam o tempo de uma espera sem fim;
Do jogo, sobrou só o tabuleiro...mais nada.

Descontentamento

Cansei das esteiras sonolentas
Onde só o acaso se move;
Fico longe da guerra das palavras
Assentada sobre uma pose inabalável.

Quero o ar entrando pelas narinas,
O mar revolto me engolindo.
Cansei dessa doce criatura
Que beija com cuidado a pintura,
Aceita o lugar vago cheia de mesuras.

Desce-me pelas pernas o descontentamento,
O medo de envelhecer patética,
Eu era cult antes do rótulo
Mas agora quem haverá de convidar
Uma remanescente original, 
Do metal polido,
Da fala pausada, domesticada?

Cansei dos alvos lúdicos,
Não recorto mais  recados
Colei na porta um silêncio fiel
Só aceito beijos públicos,
Desejos de papel passado
Minha companhia ficou cruel.


segunda-feira, 29 de junho de 2020

Pesa viver?

O que pesa são as tolices,
Os desejos não realizados,
Os dias de cara amarrada,
Os pequenos momentos
Não degustados com gosto;
E não a idade acrescida a cada ano.

O que pesa é a saudade,
A tristeza amontoada,
As palavras engolidas,
Os olhares frios;
Nunca a idade aumentada.

Pesam sim as mãos vazias,
O coração ateu,
A alma aflita,
Os braços sem abraços,
O beijo na boca esquecido;
Não a idade que se soma.

O que pesa é a pressa,
É o não ouvir o outro,
É o não sentir o outro,
E não se saber por inteiro.

Os dias vividos um a um,
Saboreados apesar das dores,
Tem um paladar especial;
Cada marca, cada ruga
Lembra um dia especial
Uma pessoa, uma experiência.
Não pesa o tempo de vida;
Pesa o não viver para amar
Todo o tempo que se conseguir.
Pesa não se apaixonar perdidamente
Todos os dias pelo presente de viver.

O sal das doces águas

Águas dançam sob meus pés,
Rolam pela minha face.
Águas deságuam ansiosas
Sobre uma estação febril;
Que aflita se enfia sem ecos
Em intermináveis gozos.
Bailo na volúpia das cores
Entre anjos destronados,
Livre dos beijos marcados;
Presa unicamente à sentença
Da rebeldia dos seres e o vadiar
Da pompa em rituais ritmados.

O gosto de sal na língua,
No visgo do corpo suado.
Arrepio de paixão, luxúria e tesão.
Folia sem trava, fúria de liberdade;
Preparada e curtida em trezentos e sessenta dias
De sobriedade e  anonimato.
Descansa no véu da tolerância
A explosão de ousadia encoberta,
A negociação com a angústia;
Que no final das contas
Mistura-se à multidão dos ébrios.

Águas que banham os desejos,
Lavam a alma sem pejo,
Ganham o mundo deslizando;
Aquietem meu coração encharcado
De dores e temores cercado.
Águas salgadas insanas
Permitam que  doces águas
Cubram e batizem com a paz
As minhas mazelas humanas.

Areia nos olhos

É dia nos meus olhos 
E a noite insone dos seus olhos insiste
Em jogar sonhos mal dormidos no meu colo.

Não lamento o amor mal amado
Não mais quero  o amor desalmado
É menos que eu mereço e o que mais já tive.

Já empacotei os afetos
Encaixotei amores mal vividos
A vida passeia nos meus olhos sem pressa.

num piscar de olhos

o encanto me permite esse momento
entre você, eu e o talvez
e assim perpetuar a magia
de nunca ter ponteiros
só a luz diáfana de olhares
e a eternidade das mudas palavras.

Mosaicos poéticos

enluvei as mãos 
para acariciar as palavras
que soluçavam 
sobre o alvo papel

na brancura fria
da mesa de mármore
jaziam esquecidas
palavras solitárias
escorridas de alguma saudade

recolhi com úmido cuidado
formei desenhos poéticos
e na fornalha do meu coração
moldei poemas mosaicos.

Página Virada

 A mesa tem dois lugares
cada taça tem seu prazer
não há brinde nem porre
um soluço gelado pelo vinho
entala numa lágrima quente

chove estrelas na janela

Dois silêncios se confundem
entre sorrisos desconsertantes
olhares docemente tristes
nas mãos confusas se buscam

chove olhares estrelados

A noite fecha-se em copas
não há espaço para palavras
a dança dos gestos tem pressa
de fazer sua própria história

chove estrelas nos olhos