Meu diário de bordo

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

a dor que me rói


a dor que ora me rói
não tem feridas aparentes
é uma dor doida de tão doída
que a alma dilacera e mói
até eu trincar os dentes

a dor dói e não sangra vermelho
não tem cortes mas escorre
e eu defronte a esse espelho
molho de lágrimas e porre
a dor que me machuca

sem parar, dói a dor e cutuca
o desejo de não mais desejar
a ânsia louca de amar
o amor que muito maltrata
a alma presa no bico da sinuca

como rasgar a dor ao meio
se nem o punhal de prata
faz doer mais que esse veio
aberto no vão dos seios
a me definhar como vira-lata

dói como enfarte agudo
essa dor sem coração
não mitiga um segundo
porque tem a fome do mundo
de amor, jamais de razão

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Doce saudade

dos seus beijos vou sentir
uma bruta saudade
dos seus braços vou ficar orfã
e do seu corpo tão ousado
vou ter delírios quando desejar

iguaria como seus beijos
não há em confeitarias
nem similar para meu paladar
a prisão dos seus abraços
tem requintes de tortura e prazer
e não há outra que eu queira provar

quanto a procela do seu cavalgar
não vou apagar as marcas
que cicatrizam no meu corpo
para sempre me lembrar com apetite
da fome que elas saciaram

as lembranças contarão os segredos
que um dia eu tive medo
elas encherão de alegrias
os dias e noites em que a solidão
vier morar no meu peito

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Existencial

Em que fórum foi assentado o contrato dessa minha existência?
Quando e como foi celebrado se já não me lembro de fato de ter lido a minuta...ou ter assinado nada...
Carrego quase meio século de estações desorientadas, não aprendi recolher as folhas dos outonos e vi poucas primaveras floridas, tenho as pernas doloridas pelo percurso inclemente, por dias inteiros de penitências.
Por descaso ou esquecimento nasci com neura de poeta e rondei metade dessa existência pelas letras, furtando ora aqui ora ali a emoção que campeia solta pelo meu coração adoentado de amor...
Não sei se brindo ou se abomino a experiência de tantos orgasmos; se esqueço os desejos que adormecem meus sentidos ou me orgulho do aprendizado do meu corpo ou ainda da minha cabeça que o consegue dominar.
Ando tonta de ter a visão cravada no amanhã imediato, enquanto me equilibro no estribo deste percurso que vai chegando ao fim...olho-me sem acreditar, que cheguei até aqui, e a que custo!
Com efeito, sei que somei conhecimentos, estudei o que mais me interessou. Não freqüentei os bancos da faculdade, mas de tudo já fiz um pouco; e as minhas mãos pequenas sempre me foram eficientes. Espalhei beleza pelas fachadas da cidade, rabisquei meus sonhos em preto e branco... furei os olhos da realidade pra poder sonhar sem intromissões...
O corpo que veste a minh´alma inquieta é o resumo da vida mal dormida, e se passeio nua nessa passarela...não há como não exibir os arranhões...e os hematomas, recomendo então, um tapa olho para os censores curiosos e cegueira providencial aos déspotas.
Socorrem ao meu grito um batalhão de elementais...fadas...duedes e gnomos...
Porém mais lúcida que ontem, menos senil do que amanhã, que pode não chegar; esmurro hoje as farpas dos olhos que chispam na minha direção, quebro as juras dos dardos inflamados que cospem fogo na minha lira.
Não tenho asas, não exalo perfume de hipocrisia, não assino com pedigree; definho à sombra da minha vigorosa solidão.
Sei que salto aos olhos dos escribas, não pela proficiência da fala,e sim pela ousadia em desfilar minha gramática quase rudimentar, meu vocabulário roto e exibir sorrisos fartos, distribuídos sem censura.
Queimam meus dedos na rotina das letras que despejo nas imagens, não menos ruidosas que minhas palavras,nessa tela de angústias.
Me pergunto se tanto empenho terá valido a pena. Rasgar a alma, romper com o silêncio frio do papel e cantar aos quadrantes os mistérios das minhas emoções...
Me dei conta que estacionei minha tola vida entre quatro paredes pardas, presa ao fio da minha própria ignorância; me deixei amordaçar. E finalmente começo a compreender que botar a cara na janela para respirar é tudo que careço nesse momento, quando as amarras dos meus pulsos comprimem
as palavras e dispersam nos ventos a inspiração...companheira necessária
das horas abertas e das noites fechadas...malvada que botou o pé na estrada
e sem marcar a data do regresso...levou um pedaço de mim...
Onde andará a chave da cela em que aprisionei a minha juventude, os meus ideais? Deixei meus projetos adormecerem e meus sonhos mofarem num baú...hoje são perversos quaisquer desejos; porque o tempo é cruel em mostrar que a vida já tem seus planos traçados, se não coloquei nos trilhos os meus sonhos, melhor deixá-los morrer de vez...
Adeus às belas fachadas que morreram antes de nascer quando desisti da arquitetura...adeus aos dias de luta pela política que não enfrentei...adeus
paixão da minha vida...a escola de artes...ao meu sonho de pintar como Renoir...Michelângelo...El Greco...Da Vinci...o que sobrou de mim...essa poeta sonhadora...de parca cultura...vocabulário roto... a alma livre...
que se atira inconseqüente na lira...com sede de viver...respirar a vida
pela veia que transborda incessante...
Que não me digam que é falta de esperança ou coragem,olhar o escorrer das horas e não tentar detê-las, isso não se pode mesmo,porém fazer o tempo e se fazer acontecer dentro do tempo é tarefa que exige determinação, a coragem e a esperança brilham quando o esmorecimento não nos toma a alma.
Quando já percorremos um longo caminho e olhamos o horizonte já tão próximo,a ansiedade de viver cada minuto como se fosse o último; e pode ser,
nos toma de assalto, principalmente quando olhamos pra traz e percebemos que a corrida tá chegando ao fim...a pergunta que ronda nossa cabeça é: será que ainda há tempo para ser feliz?
É enfadonho ouvir se falar dos temores que vão na alma...logo chegarão palavras de consolo...alguém me puxando as orelhas e tentando me segurar nas minhas próprias palavras de otimismo cantadas em dias de extremas alegria...entretanto não há como medir o tamanho do vazio que me separa dos meus sorrisos no espaço de um dia e uma noite...os olhos da realidade sempre se reconstroem...


18-07-04

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

poesia bruta


esse oco que me apavora
retém os olhos nas oscilações
me procuro e só encontro indagações
que aos poucos me devora

engasgo com a rima mal feita
perdi as palavras no vão da porta
e suspiro por uma ou outra morta
nenhuma me é hoje a eleita

ainda no espelho me procuro
do estanho só vejo a transparência
que acusa de mim, eterna ausência
poesia latente em estado bruto

sufocada em revelações marginais
morro nos meus verbos mais abissais

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Sem prioridades


Ando passando longe das vontades,
Declarando guerra às conversas;
Assumindo pequenas maldades
Longe do foco que observas.

Não deixo registro e viro a mesa;
Derramo os versos pelo chão,
Descarto sem muita certeza
A prioridade do meu coração.

Repenso os recados rabiscados,
Quebro o porta retrato fumê;
Seus olhos ali envenenados
Falam de outras coisas, não de você.

Aprisionei os desejos num livro,
Entre uma e outra confissão;
Enquanto das lembranças me livro
Até recobrar novamente a razão.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

cumplicidade


minhas entranhas só a ti entrego
só para teus beijos me dou
mesmo que pareça que me nego
quando o mundo me deseja, e vou


há entre nós um trato secreto;
meu perfume a todos pertence,
o néctar só para teu bico ereto
que até a gravidade vence.


juro que antes de ao mundo sorrir
é para teus beijos que me guardo
só assim o mundo pode me sentir
acariciar e sentir o grito bardo


teus beijos poemas escorrendo mel
lambuzam minha pele sob o dossel

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Paixão ardida

Suspira dentro da boca sinuosa,
Um turbilhão de inconfessos desejos.
Agoniza o beijo que a alma revira
Num apelo tímido de tantos ensejos.

Queimam-lhe as noites de castidade
Enquanto cavalga solitária sua paixão,
Que de tão cruel devora-lhe a fidelidade
E aos trancos macera-lhe o coração.

Seu dia boceja tão bêbado quanto insone,
Arrasta-se inerme crivada de poesias
A arderem fundo como se fora fome.

De pupilas dilatadas e o peito arquejante
Sua vida é escorrida em fiapos sem serventia,
Ainda assim, as vezes, galopa esfuziante.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O que eu quero

Eu quero um amor que entre pela porta da frente
De mãos vazias e a cabeça cheia de loucuras;
Maduro nas decisões e menino o suficiente,
Pra brincar com poças d´água e chutar latas.

Um homem atrevido e livre de preconceitos
Que saiba olhar ao redor de mim, sorrir do meu sorriso
Rir para o meu riso
Que saiba chorar, e me deixe chorar sem censura.

Um homem que não me crive de perguntas
Que compreenda os meus silêncios,
E que tenha consigo seus segredos pra respeitar os meus
Que saiba calar e falar na hora certa.

Um homem que saiba ser amigo,
Que saiba sair e voltar assim que a saudade bater.
Que não se guie pelos ponteiros,
Que conheça o caminho dos meus braços
Neles se aninhe, mas nunca os algeme,
Ou censure minhas escolhas.

Eu quero um homem nada apressado,
Que saiba o que quer, e aceite meu querer.
Que seja terno e selvagem no lugar e hora certa,
Que fale o que pensa, mas pense no que fala
Que goste de ler e adube a inteligência.

Eu quero um homem maduro e menino
Que nunca me deixe constrangida,
Que não seja meu credor diário
Que tenha a alma livre por excelência,
E goste da minha essência.

Um homem que seja meu como dele serei;
Sem algemas, sem alianças e sem contratos,
Ambos do mundo,
A despeito de toda incredulidade.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Vácuo

Era pra ser um poema lírico
desses que a gente namora diariamente
em cada minuto solenemente
dorme e acorda remoendo
e de tanto encenar, vira físico.

Podia ter sido um poema de amor
e se não desvendasse o mistério;
seria um soneto sedutor
por ocupar ao menos um hemisfério.

Morreu de tédio e sem alquimia
o que na pele não exalou certeza,
não abriu portas para a utopia,
não se mostrou com firmeza;
minguou sem pódio, sem primazia.

Era pra ser um poema perfeito
se não tivesse morrido de véspera
no sono revirado do leito.
Se tivesse se permitido a espera
do compasso afinado
seria o poema mais refinado.