Meu diário de bordo

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O sal das doces águas


Águas dançam sob meus pés,
Rolam pela minha face.
Águas deságuam ansiosas
Sobre uma estação febril;
Que aflita se enfia sem ecos
Em intermináveis gozos.
Bailo na volúpia das cores
Entre anjos destronados,
Livre dos beijos marcados;
Presa unicamente à sentença
Da rebeldia dos seres e o vadiar
Da pompa em rituais ritmados.

O gosto de sal na língua,
No visgo do corpo suado.
Arrepio de paixão, luxúria e tesão.
Folia sem trava, fúria de liberdade;
Preparada e curtida em trezentos e sessenta dias
De sobriedade e anonimato.
Descansa no véu da tolerância
A explosão de ousadia encoberta,
A negociação com a angústia;
Que no final das contas
Mistura-se à multidão dos ébrios.

Águas que banham os desejos,
Lavam a alma sem pejo,
Ganham o mundo deslizando;
Aquietem meu coração encharcado
De dores e temores cercado.
Águas salgadas insanas
Permitam que doces águas
Cubram e batizem com a paz
As minhas mazelas humanas.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

provocação

num sussurro malicioso
me prende entre suas coxas,
revira meus cabelos,
despe minha nuca
quando acende arrepios na minha pele...

sabe que pelos flancos me domina,
se me apanha pela cintura
e rodopia pelo meu quadril
num manso beijo lambido...

me olha como quem fareja
morde os lábios,enfia os dedos
pelos meus cabelos,
quase posso lhe ouvir os pensamentos...

na espiral da fumaça silenciosa
seus desejos ociosos espreguiçam
...aceito seu recado...

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

indulto


a hora nona que tece o negro manto,
cobre a carne vestida de espanto;
é um quarto de tempo onde habita a razão,
o sentido desligado da emoção
nessa cela que até as paredes oram
e pouco se vê os olhos que choram.
nem a chave mestra incontrolável
alcança os ponteiros ou cabe no ferrolho,
há um vagido reprimido, indelével
que escorre em poesia e prece; um em cada olho.


não se fecha em desuso como rara,
mas dorme no silêncio que em si apara;
sei que arde como brasa encoberta
revirada nas luas por ela desperta.
não importa se o manto é fiado de segredos,
a cada um cabe os seus próprios medos,
mas se a hora nona se evidencia
há de ser pela procela que principia,
não se pode esconder vendavais cortantes
desarmonia febril de delirantes;
quando tudo é erigido em culto
para merecer unicamente um indulto.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

a dor que me rói


a dor que ora me rói
não tem feridas aparentes
é uma dor doida de tão doída
que a alma dilacera e mói
até eu trincar os dentes

a dor dói e não sangra vermelho
não tem cortes mas escorre
e eu defronte a esse espelho
molho de lágrimas e porre
a dor que me machuca

sem parar, dói a dor e cutuca
o desejo de não mais desejar
a ânsia louca de amar
o amor que muito maltrata
a alma presa no bico da sinuca

como rasgar a dor ao meio
se nem o punhal de prata
faz doer mais que esse veio
aberto no vão dos seios
a me definhar como vira-lata

dói como enfarte agudo
essa dor sem coração
não mitiga um segundo
porque tem a fome do mundo
de amor, jamais de razão

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Doce saudade

dos seus beijos vou sentir
uma bruta saudade
dos seus braços vou ficar orfã
e do seu corpo tão ousado
vou ter delírios quando desejar

iguaria como seus beijos
não há em confeitarias
nem similar para meu paladar
a prisão dos seus abraços
tem requintes de tortura e prazer
e não há outra que eu queira provar

quanto a procela do seu cavalgar
não vou apagar as marcas
que cicatrizam no meu corpo
para sempre me lembrar com apetite
da fome que elas saciaram

as lembranças contarão os segredos
que um dia eu tive medo
elas encherão de alegrias
os dias e noites em que a solidão
vier morar no meu peito

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Existencial

Em que fórum foi assentado o contrato dessa minha existência?
Quando e como foi celebrado se já não me lembro de fato de ter lido a minuta...ou ter assinado nada...
Carrego quase meio século de estações desorientadas, não aprendi recolher as folhas dos outonos e vi poucas primaveras floridas, tenho as pernas doloridas pelo percurso inclemente, por dias inteiros de penitências.
Por descaso ou esquecimento nasci com neura de poeta e rondei metade dessa existência pelas letras, furtando ora aqui ora ali a emoção que campeia solta pelo meu coração adoentado de amor...
Não sei se brindo ou se abomino a experiência de tantos orgasmos; se esqueço os desejos que adormecem meus sentidos ou me orgulho do aprendizado do meu corpo ou ainda da minha cabeça que o consegue dominar.
Ando tonta de ter a visão cravada no amanhã imediato, enquanto me equilibro no estribo deste percurso que vai chegando ao fim...olho-me sem acreditar, que cheguei até aqui, e a que custo!
Com efeito, sei que somei conhecimentos, estudei o que mais me interessou. Não freqüentei os bancos da faculdade, mas de tudo já fiz um pouco; e as minhas mãos pequenas sempre me foram eficientes. Espalhei beleza pelas fachadas da cidade, rabisquei meus sonhos em preto e branco... furei os olhos da realidade pra poder sonhar sem intromissões...
O corpo que veste a minh´alma inquieta é o resumo da vida mal dormida, e se passeio nua nessa passarela...não há como não exibir os arranhões...e os hematomas, recomendo então, um tapa olho para os censores curiosos e cegueira providencial aos déspotas.
Socorrem ao meu grito um batalhão de elementais...fadas...duedes e gnomos...
Porém mais lúcida que ontem, menos senil do que amanhã, que pode não chegar; esmurro hoje as farpas dos olhos que chispam na minha direção, quebro as juras dos dardos inflamados que cospem fogo na minha lira.
Não tenho asas, não exalo perfume de hipocrisia, não assino com pedigree; definho à sombra da minha vigorosa solidão.
Sei que salto aos olhos dos escribas, não pela proficiência da fala,e sim pela ousadia em desfilar minha gramática quase rudimentar, meu vocabulário roto e exibir sorrisos fartos, distribuídos sem censura.
Queimam meus dedos na rotina das letras que despejo nas imagens, não menos ruidosas que minhas palavras,nessa tela de angústias.
Me pergunto se tanto empenho terá valido a pena. Rasgar a alma, romper com o silêncio frio do papel e cantar aos quadrantes os mistérios das minhas emoções...
Me dei conta que estacionei minha tola vida entre quatro paredes pardas, presa ao fio da minha própria ignorância; me deixei amordaçar. E finalmente começo a compreender que botar a cara na janela para respirar é tudo que careço nesse momento, quando as amarras dos meus pulsos comprimem
as palavras e dispersam nos ventos a inspiração...companheira necessária
das horas abertas e das noites fechadas...malvada que botou o pé na estrada
e sem marcar a data do regresso...levou um pedaço de mim...
Onde andará a chave da cela em que aprisionei a minha juventude, os meus ideais? Deixei meus projetos adormecerem e meus sonhos mofarem num baú...hoje são perversos quaisquer desejos; porque o tempo é cruel em mostrar que a vida já tem seus planos traçados, se não coloquei nos trilhos os meus sonhos, melhor deixá-los morrer de vez...
Adeus às belas fachadas que morreram antes de nascer quando desisti da arquitetura...adeus aos dias de luta pela política que não enfrentei...adeus
paixão da minha vida...a escola de artes...ao meu sonho de pintar como Renoir...Michelângelo...El Greco...Da Vinci...o que sobrou de mim...essa poeta sonhadora...de parca cultura...vocabulário roto... a alma livre...
que se atira inconseqüente na lira...com sede de viver...respirar a vida
pela veia que transborda incessante...
Que não me digam que é falta de esperança ou coragem,olhar o escorrer das horas e não tentar detê-las, isso não se pode mesmo,porém fazer o tempo e se fazer acontecer dentro do tempo é tarefa que exige determinação, a coragem e a esperança brilham quando o esmorecimento não nos toma a alma.
Quando já percorremos um longo caminho e olhamos o horizonte já tão próximo,a ansiedade de viver cada minuto como se fosse o último; e pode ser,
nos toma de assalto, principalmente quando olhamos pra traz e percebemos que a corrida tá chegando ao fim...a pergunta que ronda nossa cabeça é: será que ainda há tempo para ser feliz?
É enfadonho ouvir se falar dos temores que vão na alma...logo chegarão palavras de consolo...alguém me puxando as orelhas e tentando me segurar nas minhas próprias palavras de otimismo cantadas em dias de extremas alegria...entretanto não há como medir o tamanho do vazio que me separa dos meus sorrisos no espaço de um dia e uma noite...os olhos da realidade sempre se reconstroem...


18-07-04

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

poesia bruta


esse oco que me apavora
retém os olhos nas oscilações
me procuro e só encontro indagações
que aos poucos me devora

engasgo com a rima mal feita
perdi as palavras no vão da porta
e suspiro por uma ou outra morta
nenhuma me é hoje a eleita

ainda no espelho me procuro
do estanho só vejo a transparência
que acusa de mim, eterna ausência
poesia latente em estado bruto

sufocada em revelações marginais
morro nos meus verbos mais abissais

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Sem prioridades


Ando passando longe das vontades,
Declarando guerra às conversas;
Assumindo pequenas maldades
Longe do foco que observas.

Não deixo registro e viro a mesa;
Derramo os versos pelo chão,
Descarto sem muita certeza
A prioridade do meu coração.

Repenso os recados rabiscados,
Quebro o porta retrato fumê;
Seus olhos ali envenenados
Falam de outras coisas, não de você.

Aprisionei os desejos num livro,
Entre uma e outra confissão;
Enquanto das lembranças me livro
Até recobrar novamente a razão.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

cumplicidade


minhas entranhas só a ti entrego
só para teus beijos me dou
mesmo que pareça que me nego
quando o mundo me deseja, e vou


há entre nós um trato secreto;
meu perfume a todos pertence,
o néctar só para teu bico ereto
que até a gravidade vence.


juro que antes de ao mundo sorrir
é para teus beijos que me guardo
só assim o mundo pode me sentir
acariciar e sentir o grito bardo


teus beijos poemas escorrendo mel
lambuzam minha pele sob o dossel

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Paixão ardida

Suspira dentro da boca sinuosa,
Um turbilhão de inconfessos desejos.
Agoniza o beijo que a alma revira
Num apelo tímido de tantos ensejos.

Queimam-lhe as noites de castidade
Enquanto cavalga solitária sua paixão,
Que de tão cruel devora-lhe a fidelidade
E aos trancos macera-lhe o coração.

Seu dia boceja tão bêbado quanto insone,
Arrasta-se inerme crivada de poesias
A arderem fundo como se fora fome.

De pupilas dilatadas e o peito arquejante
Sua vida é escorrida em fiapos sem serventia,
Ainda assim, as vezes, galopa esfuziante.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O que eu quero

Eu quero um amor que entre pela porta da frente
De mãos vazias e a cabeça cheia de loucuras;
Maduro nas decisões e menino o suficiente,
Pra brincar com poças d´água e chutar latas.

Um homem atrevido e livre de preconceitos
Que saiba olhar ao redor de mim, sorrir do meu sorriso
Rir para o meu riso
Que saiba chorar, e me deixe chorar sem censura.

Um homem que não me crive de perguntas
Que compreenda os meus silêncios,
E que tenha consigo seus segredos pra respeitar os meus
Que saiba calar e falar na hora certa.

Um homem que saiba ser amigo,
Que saiba sair e voltar assim que a saudade bater.
Que não se guie pelos ponteiros,
Que conheça o caminho dos meus braços
Neles se aninhe, mas nunca os algeme,
Ou censure minhas escolhas.

Eu quero um homem nada apressado,
Que saiba o que quer, e aceite meu querer.
Que seja terno e selvagem no lugar e hora certa,
Que fale o que pensa, mas pense no que fala
Que goste de ler e adube a inteligência.

Eu quero um homem maduro e menino
Que nunca me deixe constrangida,
Que não seja meu credor diário
Que tenha a alma livre por excelência,
E goste da minha essência.

Um homem que seja meu como dele serei;
Sem algemas, sem alianças e sem contratos,
Ambos do mundo,
A despeito de toda incredulidade.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Vácuo

Era pra ser um poema lírico
desses que a gente namora diariamente
em cada minuto solenemente
dorme e acorda remoendo
e de tanto encenar, vira físico.

Podia ter sido um poema de amor
e se não desvendasse o mistério;
seria um soneto sedutor
por ocupar ao menos um hemisfério.

Morreu de tédio e sem alquimia
o que na pele não exalou certeza,
não abriu portas para a utopia,
não se mostrou com firmeza;
minguou sem pódio, sem primazia.

Era pra ser um poema perfeito
se não tivesse morrido de véspera
no sono revirado do leito.
Se tivesse se permitido a espera
do compasso afinado
seria o poema mais refinado.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Finesse

Foi-se o tempo pacato da candura,
a hora do recato e inocente compostura.
Ficou um talho aberto pela castração,
cerzido de retalho, atropelo e frustração.


Salve a meretriz que vai a luta;
essa infeliz que tem fama sem ser puta!
Riam sim dessa fulana, criatura hilária
de quem não se sabe a cama, mas a tem por otária.
Viva a doce prostituta que nesse teatro vil
só conhece a labuta, e o gesto servil.


Espuma na língua infame o fel da acusação,
vociferado desde o prenome, sem consternação.
Bravos! Morre a míngua e não sem suspiros
o sorriso com íngua, que viveu entre vampiros!

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Estatutos do Poeta

Ao poetas deveria ser dado somente o direito de sonhar, sem ter que se preocupar com responsabilidades, sem ter que se guiar pelos relógios dessa terra.
Os poetas tem as estrelas e os astros como parâmetros.

Aos poetas não deveria ser dado nenhuma obrigação, não para fazê-los vagabundos, mas para deixá-los livres para o mundo.
Aos poetas não se deveria impor o sacrifício de ganhar o seu sustento, o poeta precisa menos do alimento para o corpo que o linimento para a su´alma.

Aos poetas, jamais deveriam ser solicitadas prestação de contas; hora marcada, noção de dia e mês, nem se é de tarde ou madrugada.
Os poetas são seres sem amarras, sem censuras e sem travas. Não sabem viver algemados, não suportam bater o ponto. Não são felizes com asas cortadas.

Os poetas deveriam ser perdoados dos seus esquecimentos dos seus devaneios fora de estação.
Os poetas deveriam ser poupados da razão. Deveriam ter o direito de interromper o que quer que fosse, para rabiscar um pensamento, rascunhar um poema, em qualquer lugar que estivesse, em qualquer hora que a inspiração chegasse, para jamais correrem o risco de se perderem de sua alma, nos momentos de vôos que só aos dois pertence.

O silêncio é o combustível do poeta e deveria ser respeitado, tanto quanto sua tristeza, que não poderia nunca ser investigada.
O poeta gosta da solidão, convive muito bem consigo mesmo, ainda que exploda em versos, prosas e muitas palavras soltas e em tantos pensamentos, até sem cabimentos. O poeta só precisa de um ouvinte, um leitor atento, de carinho, afagos e um, colo sossegado para vaguear os seus desvarios.

O poeta é um amável insensato, que dorme quando deveria estar acordado e tem insônia quando o mundo todo dorme sossegado.
Ao poeta, se deveria perdoar a loucura, a pouca compostura, o cabelo despenteado, o olhar esgazeado; pois a insanidade do poeta é eterna, além da saudade, pois sem saudade, o poeta não hiberna.

Os poetas são sonhos personificados e só por isso deveriam ser cortejados, respeitados e poupados das mágoas desse mundo, pois já tem as suas próprias. Poupados deveriam ser das dores, pois já sangram, sensivelmente pelas dores do ser amado.
Aos poetas, a anistia da razão a euforia da emoção e o beijo delicado.

Ah! Os poetas, esses gentis amantes com suas paixões intermitentes e eternos amores; são deliciosamente ousados e infinitamente atraentes.
Que se lavrem o estatuto, que se reconheçam esse tratado.
Que se abram as portas e que seus vôos beijem, o azul da imensidão sem regras, sem rótulos e sem grilhões; enquanto ainda vivem os poetas nesse mundo de ilusões.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Comunhão Infiel

Correm lentos seus dedos
Pelas matas dos meus cabelos,
Donde o perfume de capim cheiroso
Em arrepios sopram segredos.

Passeiam nus, seus olhos belos
Pelo meu ventre perigoso
Acordando meu sono manso.
Meu regato embriagado
Sustenta sonho e fantasias,
Na porção menina que não alcanço.

A tez inquieta desperta
Desejos na penugem serena
Em hora incerta;
Veneno na doçura da açucena.

O dorso descoberto anuncia o cio,
Que afogado se entrega
Aos sabores densos
Da bebida cruel;
Que na carne nunca é amena,
Na alma acalenta o frio,
Mata a sede dos sentidos.
Ah! Doce comunhão infiel.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Se

Se soubesse calar, ouviria anjos...
se aprendesse só ouvir,
perderia as palavras no vão dos lábios...
Se tocasse a canção ...
conheceria as notas que
flutuam nas falas...
Se tivesse sinos dourados ...
faria uma orquestra ...
Se pudesse escolher a melodia...
optaria pelos hinos...
Se coubessem nas minhas mãos...
colecionaria chuvas...
Se o tempo permitisse navegar nos ponteiros...
encalhava na hora da felicidade...
Se eu pudesse, pararia o sol...beijaria a lua...
caminharia nua nas estrelas...
Se tocasse, faria serenatas ao luar...
dormiria sob o manto negro
da noite...
me batizava no orvalho...
me alistaria na jornada das estrelas...
Se deixassem, me perderia nas chuvas,
sem pressa de voltar...
Se soubesse voar,
desenharia nas nuvens...
Se pudesse, roubava um oceano...
Se pudesse, guardava comigo
todas as brisas...
Se pudesse,
viveria as mil e uma noites...
Se pudesse, cometeria loucuras
que só as pessoas sãs cometem...
e viveria insanamente como manda
o juízo dos loucos...
Se pudesse, seria muito mais inconseqüente...
e muito mais livre...
Se pudesse, simplificaria muito
mais as falas e multiplicaria os gestos..
Se tivesse poderes, transformaria
em cristais as lágrimas de amor...
Se pudesse escolher preferia estar
só e mergulhada nos meu silêncios...
Se pudesse optar, preferiria sempre
olhar nos olhos das pessoas e confessar
o que vai na minh´alma...
sem reservas.
Se pudesse, daria um sentido a tudo
que anda vagando...
Enfim se pudesse...encontraria comigo mesma,
não por egoísmo,
para saber quem realmente eu sou...

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Abraço poético



Naquele dia eu voltei pra casa pisando em nuvens, não ficara um detalhe, um senão que tivesse atrapalhado o brilho das horas vividas. Junto ao meu coração palpitante de feliz vinha abraçado o objeto do desejo, carregado com carinho para não ferí-lo.
Em casa ele foi cuidosamente colocado em lugar onde todos pudessem vê-lo e
até folhearem; me sentiria mais vaidosa quando os olhos passassem pela dedicatória.
Era preciso preparo para sentar e começar a beber a magia ali contida, assim quando os sons se calavam eu o buscava; passava minhas mãos com delicadeza em cada detalhe para sentí-lo completamente, fiz isso algumas vezes devagar, com medo de que ele me rejeitasse.
Acarinhei, cheirei e o abracei como quem abraça um amor querido para demonstrar o quanto eu o desejava nesse momento. Foi nesse dia, depois de namorá-lo e esperar o silêncio que o abri e no meio da minha solidão mergulhei inteira nos versos que murmuravam baixinho.
A medida que eu lia, as expressões do meu rosto iam se modificando, eu me sentia a Alice no país das maravilhas. E fui marcando com uma orelhinha todas as poesias que mais gostava para voltar a ler, ou para encaminhar aos que não tinham o prazer da sua deliciosa companhia, fechei-o para sonhar um pouco depois de ler: Realidade; me dei conta que tinha feito um monte de orelhas no meu objeto de prazer!
Sabe quando a gente come um doce gostoso que a gente não quer que termine? Pois estou eu assim com o meu livro: Põe-te de pé, poeta! Não quero que ele acabe então estou mastigando os poemas devagarinho, como a provar um a um e reter na boca o gosto de cada verso.
Pode até ser, como disse minha amiga poeta, que eu já tenha-os lido todos, de alguns eu sei que tenho lembrança como: Meus trovões ( é lindo) Reservado (que gerou uma porção de homônimos, numa intertextualidade maravilhosa) Bóias-Frias, Bifurcação entre outros, mas ter nas mãos um livro todinho reunindo emoções, sentimentos acondicionados com carinho é uma sensação única.
Como disse a Lu, nossa amizade está aí pelos 10 anos, virtualmente, nos vimos duas vezes, uma na Bienal e outra agora na sua palestra e é como se tomássemos cafezinho juntas todos os dias.
Ainda extasiada pela leitura da qual me ocupei essa manhã, vou deixar com vocês um poema desse livro, e que eu gostaria de ter escrito:

Enganando-me
Lucelena Maia

Quantos braços me abraçaram,
Em quantos braços me joguei.
Fui revolta, não importa,
Como consequência, viciei.


Quantas bocas me beijaram,
Quantas bocas já beijei.
Foi despeito, não importa,
O resultado é que gostei.


Quantos homens me despiram,
Quantas vezes me entreguei.
Foi obsceno, não importa,
Ao destino, me abracei.


Quantos anos se passaram,
Desde a primeira cama em que deitei.
De todos os homens que me amaram,
Foste o único que eu amei.


Quanta humilhação. Tu não me amavas.
Fui objeto de aposta e de prazer...
Embriagada de ódio, tornei-me ousada,
Deite-me com todos e fiz saber.


Ali reunidos no meu cantinho, estão : Uma sujeita esquisita, Girassóis ao meio dia ( Cissa de Oliveira) Fatos reais da vida em prosa e verso (Faiçal I. Tannús)
Entretempo (Rosana Chrispim) Pretextos ( Rosa Pena) Fernando Pessoa, castro Alves e Põe-te de pé, poeta! (Lucelena Maia) entre outros tantos que ficam sempre à mão para eu bebericar entre uma refeição e outra.

Anjos são perfumados?

Era-me peculiar aquela sensação de cheiros invadindo as narinas; despertava minha memória olfativa. Algumas vezes levava-me a lugares, outras à pessoas queridas; cenas e cenários que bem guardados desfilavam tão vivos quanto no dia em que aconteceram.
Eu disse era? Não. Ainda o é.
Não é coisa que se estimule, num átimo e o desenrolar de uma lembrança toma-me de assalto, enche-me de saudades.
Nunca soube explicar porque algumas lembranças tinham cheiros, percepção de presença tão táctil.
Retinha comigo essa informação com medo de partilhar e me sentir uma tola, porque as vezes o perfume não era de ninguém, nem ele perfumava o ar naquele dia, mas é estranhamente tão forte quando esbarra em minhas recordações que chegam a incomodar.
Não saberia comparar a nenhum perfume conhecido, algumas lembranças, ou mesmo sensações de momentos especiais, pois que são aromas delicados e deliciosamente embriagadores.
De repetido somente um que lembra-me defuntos, não sei o porque, mas quando a tristeza é muito intensa, eu sei que esse é o único que volta.
Disse-me a Odete que são perfumes de anjos. Aqueles que não há similares por onde ando, eu acredito, mas quem explicaria o de defuntos?
Anjos mórbidos? Talvez...

domingo, 18 de outubro de 2009

O extase da fúria

O corpo se embate com a alma
entre a fúria do querer
e a integridade do já muito saber

Nas rajadas da impulsividade
quase desumana, morre à míngua
o entusiasmo, à prova da língua

Entre o pecado e a razão
o desespero e a força bruta;
sibila o músculo desequilibrado: coração

Assim entre a penumbra das sensações,
de visão turva e paladar atropelado
engulo num trago seco outra maldição

Cuspindo marimbondos


Estou cuspindo marimbondos
andando de senho derrubado
pés querendo comer kilômetros

Estou amarga pelos cômodos
a alma no corpo chumbado
concebendo logros aos metros

Estou andando em círculos fechados
pisando brasas, lambendo fogo
numa distância insuportável de ser

Estou menos viva e mais rude
suplicando que a solidão me abrace
nas noites e dias que fujo de viver

Fui aquém de mim, além do que pude,
e para a covardia não há disfarce
então, morro ou mato esse sofrer

Estou cuspindo marimbondos
não de fogo; de ferrões em brasa
que me saem queimando pela boca

Palavras rasgando a garganta
e outras tantas que não desentalo
envenenando-me até o talo

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Fórceps

Esvairam-se os mistérios
levados como pó, voaram
não deixaram sequer pegadas

Com eles, devaneios e ilusões
acalentadas secretamente
rasgadas a frio, sem emoções

Uma nesga de tristeza
me abate e joga ao solo
o refinado gosto da sutileza

Morte anunciada


A flor da pele todos os desejos
feneceram antes do tesão
se espalhar pelo ambiente


Na língua calada por beijos
a falsa certeza tolheu a ilusão
que teve morte impaciente


Exalando presença lúdica
o ego criminosamente eregido
mostrou-se presença única


Ficou esquecido nos lençóis
o muito do pouco consumido
cantarolado em solfejos bemóis


A carcaça trajada de ansiedade
recolhe o silêncio desajeitado
e se mete de vez na obscuridade

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Nasci poeta?!

Não sei se nasci de um acidente
ou meu nascimento o foi, sem retórica
Não sei se a poesia me é inconsequente
se jorra sem luta ou se dela virei parabólica

Nasci congestionada, represada
de emoções e sentires acachapantes
Que se não envaziar-me até o nada
sufocam-me os moinhos de Cervantes

Oh Deus me esfolastes a alma vil
assim que a luz me acendeu a vida,
fiquei contida como pólvora, num barril

Guardo palavras nas mãos calejadas
dores e alegrias que na alma sangram
vertendo pelos dedos rimas marteladas.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Confesso!

Custa-me confessar o corpo em desalinho
esparramado sobre o leito quente,
o ventre abrasado e sem carinho
sabendo-lhe insone e a carne dormente.



Sussurrar seu nome não me atrevo
ainda que o tenha apertado entre os dentes;
é loucura eu sei, e não posso, não devo,
padeço então como fazem os dementes.



Posso ouvir a chamar-me seus gemidos
convidando-me o corpo ensandecido
à revirar-me no leito aos gritos
numa noite inteira de amor pervertido.



Confesso sem pudor: o desejo me queima
o corpo pede e insiste; a cabeça diz não e teima.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Poesia incidental

Esse silêncio suspeito
que invade minha porta,
vindo da sua rua,
tem cheiro de mentira,
ares de segredo...

Essa verdade de entrelinhas
dita entre dentes,
ao pé do ouvido de outrem;
parece zombar do caos
instalado durante o silêncio...

Continuo pincelando palavras
pendurando-as no varal;
hei de secar suas emoções...

e quando encontrar de novo
o som das palavras que calou;
teremos canteiros de poemas
enchendo de vida e sorrisos
as calçadas que estão
indo e vindo entre nós...