Ele me traga
Ele me usa
Ele não me afaga
Ele me consome
Ele me acusa
Ele não me come
Ele me constrange
Ele me deprime
Ele não se define
Ele me desarma
Ele me apronta
Ele sempre me afronta
Não me revelo
Não me demito
Vivo pelo mito
Era um dia e uma noite
De dia o silêncio
A noite se servia de barulhos
Ambos se desencontravam
como sol e lua
mas assim como o sol
enchia de luz e paz
a noite fervia de escuridão
atropelada de sons
De dia a vida sorria
ao compasso elegante
de brilhos carinhosos
enquanto a noite
entrava furiosa
batendo o pé
rasgando toda alegria
Um dia se casaram
de pirraça para o mundo.
O sol entristeceu
por causa do barulho
e a lua se enfureceu
com o silêncio
Nunca mais a vida foi feliz.
Estou comendo angústias
Digerindo desilusões tantas
E engordando
engordando...
Não há regime
que mate essa fome
de comer
e comer sem parar.
Estou bebendo noite e dia
mágoas amargas
amarguras borbulhantes
Todos os dias
devoro tristezas
embrulhadas em sorrisos
recheadas de calorias
delícias doces
que dessalguem as lágrimas
ou aplaquem desejos
O colesterol sobe
o ponteiro sobe
as roupas apertam
e eu comendo sem parar
minhas dores diárias
Ontem quando o sono me pesava sobre as pálpebras ela me arrastou da cama, desdenhando do friozinho e do adiantado da hora. Queria minha companhia, minhas mãos geladas além da minha emoção; que embora estivesse embolorada, sonada e um tantinho embrutecida.
Cedi. Afinal uma amizade de quase uma vida inteira não podia ser ignorada. Ela que sempre me foi fiel, que sempre me acalentou quando eu sozinha estava, ou em lágrimas me debulhava; estava ali, agora, me procurando, me querendo e quase que desesperadamente me desejando a companhia.
Levantei-me tropeçando nos pés pois o remedinho demorara, mas já fazia efeito. Lá fui eu de caneta e diário em punho anotar suas tão esperadas palavras. Ela falou, falou e eu anotando sem parar. Ela realmente estava com saudades; pois não mais me largou e está aqui comigo abraçada à minha mão, que já não está mais gelada. Ela acariciou a minha alma como há muito não fazia.
Estamos nos entendendo de novo, porque acho que ela voltou para ficar.
Que se dane o mundo. Que se dane o frio, o calor, a sede, a fome; com ela nada me falta.
Quero morrer abraçada à minha inspiração; ela é a alma que me anima, a sabedoria que me guia, o alimento que me sustenta e a companhia que me faz sentir prazer em viver.
Como explicar essa agonia permanente
Essa busca incessante por um abraço
Essa sensação eminente
De não ter um ombro...um laço
Onde contabilizo minhas conquistas
Em que parte dessa trilha
Perdi a estrada e as pistas
Da vida que em mim fervilha
Como justificar o gesto carente
O escrever tão denso
O comportamento quase adolescente
A mania de dizer tudo que penso
Como me desculpar por essa angústia
Essa quase monotonia
De querer sustentar a astúcia
Me escondendo atrás da melancolia
Em que hora abracei a solidão
E deixei o cansaço me tomar
Talvez tenha enterrado meu coração
Esquecido o gosto de amar
Como entender essa vontade louca
De mastigar versos convulsivamente
Apertar as palavras na boca
Soltar as emoções como louca
E me derramar tão solenemente
Como controlar essa ansiedade
Se ela me assalta noite e dia
Enche os minhas horas de saudade
Me faz sentir a cama vazia
Já não fujo dos meus desejos
Aceito-os todos placidamente
Algumas vezes amanso-os nos solfejos
Ou deságuo-os mansamente
Nas minhas linhas insinuantes
Como não versejar de forma abundante
Se já não me lembro como era antes
Só sei que trago o peito desatinado
As esperanças todas partidas
O traçado desalinhado
De tantas idas e vindas
Como explicar o que foge a razão
Se me perdi nas torrentes, mares e rios
Nos sentimentos em profusão
Caminhando entre delírios e desvarios
Como explicar esse veia que ferve
Essa fuga constante da realidade
A lucidez invadida pela verve
Como marca de personalidade
Se chegar, não estranhe os sinos;
Pendurados na varanda,
A porta levemente encostada,
Só os ventos me trazem hinos.
Não censure minha liberdade franca,
A voz rouca e arrastada,
Tenho canários aprisionados,
Grandes gaiolas enfeitadas,
Ando descalça e despida,
A me conhecer despojada.
Se chegar, dispa-se na entrada,
Traga os olhos lavados;
No sereno das madrugadas,
Traga beijos orvalhados,
Abraços amplamente espaçosos,
Suspiros generosos,
Sussurros secretos, seletos.
Se chegar quando eu adormecer,
Não acorde meus sonhos,
Adentra por eles a viver,
Reconheço-os tristonhos.
Há ainda alguns a dividir,
Claramente delicados,
É só pegar-me pelas mãos,
Pela minha face a sorrir,
E os meneios agitados;
Saberá em que desvãos
Encontrará o meu fremir
A melhor idade não é essa estampada na face
Não é essa que se conta nos calendários
Não é essa que se conta em cada ruga adquirida
Em cada dia dessa vida vivido
A melhor idade é a que escondemos na face
Nos nossos mergulhos solitários
Na verdade ao tempo dirigida
No tempo que guarda de tudo o sentido
A melhor idade é quando estamos amando
Quando a alma se torna leve
E o espírito não impõe a razão
A melhor idade é feita de primaveras
Quando o corpo perde o comando
Quando o dia morre na noite que fica breve
Para todos os espasmos do coração
No provar de todas as quimeras
A melhor idade é essa que não tem cura
Que a gente guarda com saudade
Porque sabe que é uma loucura
Essa que atravessa na nossa realidade
Não se importa com os ponteiros
Não se reflete nos espelhos
A melhor idade nos faz inteiros
Avesso aos conselhos
Felizes e inconseqüentes
Eternos adolescentes.
abraça minhas arestas
o medo calculado
tateia meus cantos escuros
um forte desejo de romper véus
cá onde os estilhaços brilham aos cacos,
atraio chuvas, pingando nos espelhos
atravesso adagas na voz
rasgo elos, ato nós
tenho joelhos ralados pela fé
as mãos estendidas em conchas
para colher chuvas
mas esqueço abraços no sereno
onde ainda é permitido sonhar