Meu diário de bordo

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Pesa viver?

O que pesa são as tolices,
Os desejos não realizados,
Os dias de cara amarrada,
Os pequenos momentos
Não degustados com gosto;
E não a idade acrescida a cada ano.

O que pesa é a saudade,
A tristeza amontoada,
As palavras engolidas,
Os olhares frios;
Nunca a idade aumentada.

Pesam sim as mãos vazias,
O coração ateu,
A alma aflita,
Os braços sem abraços,
O beijo na boca esquecido;
Não a idade que se soma.

O que pesa é a pressa,
É o não ouvir o outro,
É o não sentir o outro,
E não se saber por inteiro.

Os dias vividos um a um,
Saboreados apesar das dores,
Tem um paladar especial;
Cada marca, cada ruga
Lembra um dia especial
Uma pessoa, uma experiência.
Não pesa o tempo de vida;
Pesa o não viver para amar
Todo o tempo que se conseguir.
Pesa não se apaixonar perdidamente
Todos os dias pelo presente de viver.

O sal das doces águas

Águas dançam sob meus pés,
Rolam pela minha face.
Águas deságuam ansiosas
Sobre uma estação febril;
Que aflita se enfia sem ecos
Em intermináveis gozos.
Bailo na volúpia das cores
Entre anjos destronados,
Livre dos beijos marcados;
Presa unicamente à sentença
Da rebeldia dos seres e o vadiar
Da pompa em rituais ritmados.

O gosto de sal na língua,
No visgo do corpo suado.
Arrepio de paixão, luxúria e tesão.
Folia sem trava, fúria de liberdade;
Preparada e curtida em trezentos e sessenta dias
De sobriedade e  anonimato.
Descansa no véu da tolerância
A explosão de ousadia encoberta,
A negociação com a angústia;
Que no final das contas
Mistura-se à multidão dos ébrios.

Águas que banham os desejos,
Lavam a alma sem pejo,
Ganham o mundo deslizando;
Aquietem meu coração encharcado
De dores e temores cercado.
Águas salgadas insanas
Permitam que  doces águas
Cubram e batizem com a paz
As minhas mazelas humanas.

Areia nos olhos

É dia nos meus olhos 
E a noite insone dos seus olhos insiste
Em jogar sonhos mal dormidos no meu colo.

Não lamento o amor mal amado
Não mais quero  o amor desalmado
É menos que eu mereço e o que mais já tive.

Já empacotei os afetos
Encaixotei amores mal vividos
A vida passeia nos meus olhos sem pressa.

num piscar de olhos

o encanto me permite esse momento
entre você, eu e o talvez
e assim perpetuar a magia
de nunca ter ponteiros
só a luz diáfana de olhares
e a eternidade das mudas palavras.

Mosaicos poéticos

enluvei as mãos 
para acariciar as palavras
que soluçavam 
sobre o alvo papel

na brancura fria
da mesa de mármore
jaziam esquecidas
palavras solitárias
escorridas de alguma saudade

recolhi com úmido cuidado
formei desenhos poéticos
e na fornalha do meu coração
moldei poemas mosaicos.

Página Virada

 A mesa tem dois lugares
cada taça tem seu prazer
não há brinde nem porre
um soluço gelado pelo vinho
entala numa lágrima quente

chove estrelas na janela

Dois silêncios se confundem
entre sorrisos desconsertantes
olhares docemente tristes
nas mãos confusas se buscam

chove olhares estrelados

A noite fecha-se em copas
não há espaço para palavras
a dança dos gestos tem pressa
de fazer sua própria história

chove estrelas nos olhos