Era um dia e uma noite De dia o silêncio A noite se servia de barulhos Ambos se desencontravam como sol e lua mas assim como o sol enchia de luz e paz a noite fervia de escuridão atropelada de sons
De dia a vida sorria ao compasso elegante de brilhos carinhosos enquanto a noite entrava furiosa batendo o pé rasgando toda alegria
Um dia se casaram de pirraça para o mundo. O sol entristeceu por causa do barulho e a lua se enfureceu com o silêncio Nunca mais a vida foi feliz.
Ontem quando o sono me pesava sobre as pálpebras ela me arrastou da cama, desdenhando do friozinho e do adiantado da hora. Queria minha companhia, minhas mãos geladas além da minha emoção; que embora estivesse embolorada, sonada e um tantinho embrutecida. Cedi. Afinal uma amizade de quase uma vida inteira não podia ser ignorada. Ela que sempre me foi fiel, que sempre me acalentou quando eu sozinha estava, ou em lágrimas me debulhava; estava ali, agora, me procurando, me querendo e quase que desesperadamente me desejando a companhia. Levantei-me tropeçando nos pés pois o remedinho demorara, mas já fazia efeito. Lá fui eu de caneta e diário em punho anotar suas tão esperadas palavras. Ela falou, falou e eu anotando sem parar. Ela realmente estava com saudades; pois não mais me largou e está aqui comigo abraçada à minha mão, que já não está mais gelada. Ela acariciou a minha alma como há muito não fazia. Estamos nos entendendo de novo, porque acho que ela voltou para ficar. Que se dane o mundo. Que se dane o frio, o calor, a sede, a fome; com ela nada me falta. Quero morrer abraçada à minha inspiração; ela é a alma que me anima, a sabedoria que me guia, o alimento que me sustenta e a companhia que me faz sentir prazer em viver.
Como explicar essa agonia permanente Essa busca incessante por um abraço Essa sensação eminente De não ter um ombro...um laço Onde contabilizo minhas conquistas Em que parte dessa trilha Perdi a estrada e as pistas Da vida que em mim fervilha
Como justificar o gesto carente O escrever tão denso O comportamento quase adolescente A mania de dizer tudo que penso Como me desculpar por essa angústia Essa quase monotonia De querer sustentar a astúcia Me escondendo atrás da melancolia
Em que hora abracei a solidão E deixei o cansaço me tomar Talvez tenha enterrado meu coração Esquecido o gosto de amar Como entender essa vontade louca De mastigar versos convulsivamente Apertar as palavras na boca Soltar as emoções como louca E me derramar tão solenemente
Como controlar essa ansiedade Se ela me assalta noite e dia Enche os minhas horas de saudade Me faz sentir a cama vazia
Já não fujo dos meus desejos Aceito-os todos placidamente Algumas vezes amanso-os nos solfejos Ou deságuo-os mansamente Nas minhas linhas insinuantes
Como não versejar de forma abundante Se já não me lembro como era antes Só sei que trago o peito desatinado As esperanças todas partidas O traçado desalinhado De tantas idas e vindas
Como explicar o que foge a razão Se me perdi nas torrentes, mares e rios Nos sentimentos em profusão Caminhando entre delírios e desvarios Como explicar esse veia que ferve Essa fuga constante da realidade A lucidez invadida pela verve Como marca de personalidade
Se chegar, não estranhe os sinos; Pendurados na varanda, A porta levemente encostada, Só os ventos me trazem hinos. Não censure minha liberdade franca, A voz rouca e arrastada, Tenho canários aprisionados, Grandes gaiolas enfeitadas, Ando descalça e despida, A me conhecer despojada.
Se chegar, dispa-se na entrada, Traga os olhos lavados; No sereno das madrugadas, Traga beijos orvalhados, Abraços amplamente espaçosos, Suspiros generosos, Sussurros secretos, seletos.
Se chegar quando eu adormecer, Não acorde meus sonhos, Adentra por eles a viver, Reconheço-os tristonhos. Há ainda alguns a dividir, Claramente delicados, É só pegar-me pelas mãos, Pela minha face a sorrir, E os meneios agitados; Saberá em que desvãos Encontrará o meu fremir
A melhor idade não é essa estampada na face Não é essa que se conta nos calendários Não é essa que se conta em cada ruga adquirida Em cada dia dessa vida vivido A melhor idade é a que escondemos na face Nos nossos mergulhos solitários Na verdade ao tempo dirigida No tempo que guarda de tudo o sentido A melhor idade é quando estamos amando Quando a alma se torna leve E o espírito não impõe a razão A melhor idade é feita de primaveras Quando o corpo perde o comando Quando o dia morre na noite que fica breve Para todos os espasmos do coração No provar de todas as quimeras A melhor idade é essa que não tem cura Que a gente guarda com saudade Porque sabe que é uma loucura Essa que atravessa na nossa realidade Não se importa com os ponteiros Não se reflete nos espelhos A melhor idade nos faz inteiros Avesso aos conselhos Felizes e inconseqüentes Eternos adolescentes.
abraça minhas arestas o medo calculado tateia meus cantos escuros um forte desejo de romper véus cá onde os estilhaços brilham aos cacos, atraio chuvas, pingando nos espelhos
atravesso adagas na voz rasgo elos, ato nós tenho joelhos ralados pela fé as mãos estendidas em conchas para colher chuvas mas esqueço abraços no sereno onde ainda é permitido sonhar