Meu diário de bordo

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Existencial

Em que fórum foi assentado o contrato dessa minha existência?
Quando e como foi celebrado se já não me lembro de fato de ter lido a minuta...ou ter assinado nada...
Carrego quase meio século de estações desorientadas, não aprendi recolher as folhas dos outonos e vi poucas primaveras floridas, tenho as pernas doloridas pelo percurso inclemente, por dias inteiros de penitências.
Por descaso ou esquecimento nasci com neura de poeta e rondei metade dessa existência pelas letras, furtando ora aqui ora ali a emoção que campeia solta pelo meu coração adoentado de amor...
Não sei se brindo ou se abomino a experiência de tantos orgasmos; se esqueço os desejos que adormecem meus sentidos ou me orgulho do aprendizado do meu corpo ou ainda da minha cabeça que o consegue dominar.
Ando tonta de ter a visão cravada no amanhã imediato, enquanto me equilibro no estribo deste percurso que vai chegando ao fim...olho-me sem acreditar, que cheguei até aqui, e a que custo!
Com efeito, sei que somei conhecimentos, estudei o que mais me interessou. Não freqüentei os bancos da faculdade, mas de tudo já fiz um pouco; e as minhas mãos pequenas sempre me foram eficientes. Espalhei beleza pelas fachadas da cidade, rabisquei meus sonhos em preto e branco... furei os olhos da realidade pra poder sonhar sem intromissões...
O corpo que veste a minh´alma inquieta é o resumo da vida mal dormida, e se passeio nua nessa passarela...não há como não exibir os arranhões...e os hematomas, recomendo então, um tapa olho para os censores curiosos e cegueira providencial aos déspotas.
Socorrem ao meu grito um batalhão de elementais...fadas...duedes e gnomos...
Porém mais lúcida que ontem, menos senil do que amanhã, que pode não chegar; esmurro hoje as farpas dos olhos que chispam na minha direção, quebro as juras dos dardos inflamados que cospem fogo na minha lira.
Não tenho asas, não exalo perfume de hipocrisia, não assino com pedigree; definho à sombra da minha vigorosa solidão.
Sei que salto aos olhos dos escribas, não pela proficiência da fala,e sim pela ousadia em desfilar minha gramática quase rudimentar, meu vocabulário roto e exibir sorrisos fartos, distribuídos sem censura.
Queimam meus dedos na rotina das letras que despejo nas imagens, não menos ruidosas que minhas palavras,nessa tela de angústias.
Me pergunto se tanto empenho terá valido a pena. Rasgar a alma, romper com o silêncio frio do papel e cantar aos quadrantes os mistérios das minhas emoções...
Me dei conta que estacionei minha tola vida entre quatro paredes pardas, presa ao fio da minha própria ignorância; me deixei amordaçar. E finalmente começo a compreender que botar a cara na janela para respirar é tudo que careço nesse momento, quando as amarras dos meus pulsos comprimem
as palavras e dispersam nos ventos a inspiração...companheira necessária
das horas abertas e das noites fechadas...malvada que botou o pé na estrada
e sem marcar a data do regresso...levou um pedaço de mim...
Onde andará a chave da cela em que aprisionei a minha juventude, os meus ideais? Deixei meus projetos adormecerem e meus sonhos mofarem num baú...hoje são perversos quaisquer desejos; porque o tempo é cruel em mostrar que a vida já tem seus planos traçados, se não coloquei nos trilhos os meus sonhos, melhor deixá-los morrer de vez...
Adeus às belas fachadas que morreram antes de nascer quando desisti da arquitetura...adeus aos dias de luta pela política que não enfrentei...adeus
paixão da minha vida...a escola de artes...ao meu sonho de pintar como Renoir...Michelângelo...El Greco...Da Vinci...o que sobrou de mim...essa poeta sonhadora...de parca cultura...vocabulário roto... a alma livre...
que se atira inconseqüente na lira...com sede de viver...respirar a vida
pela veia que transborda incessante...
Que não me digam que é falta de esperança ou coragem,olhar o escorrer das horas e não tentar detê-las, isso não se pode mesmo,porém fazer o tempo e se fazer acontecer dentro do tempo é tarefa que exige determinação, a coragem e a esperança brilham quando o esmorecimento não nos toma a alma.
Quando já percorremos um longo caminho e olhamos o horizonte já tão próximo,a ansiedade de viver cada minuto como se fosse o último; e pode ser,
nos toma de assalto, principalmente quando olhamos pra traz e percebemos que a corrida tá chegando ao fim...a pergunta que ronda nossa cabeça é: será que ainda há tempo para ser feliz?
É enfadonho ouvir se falar dos temores que vão na alma...logo chegarão palavras de consolo...alguém me puxando as orelhas e tentando me segurar nas minhas próprias palavras de otimismo cantadas em dias de extremas alegria...entretanto não há como medir o tamanho do vazio que me separa dos meus sorrisos no espaço de um dia e uma noite...os olhos da realidade sempre se reconstroem...


18-07-04

Nenhum comentário: